Nem por milagre é possível dissociar a Record da Igreja Universal. Até o presidente da emissora mora em uma casa pertencente à Cremo, empresa acusada de lavar dinheiro para os 'bispos'
Na semana passada, o profano e o religioso se confundiam na programação da Rede Record. No horário nobre, o Jornal da Record reagiu às denúncias contra Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, por meio de reportagens que atacavam o Ministério Público e a concorrente Globo. De madrugada, um programa da própria igreja veiculado na emissora, o Fala que Eu Te Escuto, repetia as mesmas reportagens à exaustão.
É mais uma evidência de que, a despeito das afirmações de independência da emissora, Universal e Record são metades inseparáveis de um só organismo. Pessoas ligadas à igreja ocupam a maioria dos cargos de direção da emissora. A Universal repassa anualmente à Record montantes crescentes de recursos – foram 240 milhões de reais em 2006, 320 milhões em 2007 e 400 milhões em 2008. Pertencem a ela, ainda, alguns dos principais imóveis onde a Record está sediada. Boa parte das regalias de seus executivos não sai do caixa da própria emissora: na semana passada, VEJA constatou que um deles mora num imóvel pertencente à Cremo, uma das empresas do esquema de lavagem de dinheiro denunciado pelo Ministério Público.
Nos últimos cinco anos, Macedo comandou um esforço de marketing para desvincular a imagem de seu império de comunicação das atividades religiosas. A rede investiu centenas de milhões de reais para modernizar sua programação com novelas como Poder Paralelo e o reality show A Fazenda. O televangelismo, antes salpicado por vários horários ao longo do dia, foi restrito às madrugadas – e se adotou o discurso de que a Universal é apenas uma anunciante como outra qualquer. Não é. Levantamento do Coaf, órgão do Ministério da Fazenda responsável pela fiscalização das operações financeiras no país, mostrou que a Record é a segunda entre as cinquenta principais beneficiárias de transferências bancárias da Universal (a primeira é própria igreja).
A compra dos horários na madrugada é um modo de justificar do ponto de vista legal esse aporte vultoso de recursos, que representa uma vantagem competitiva e tanto para a Record diante das concorrentes. A Universal paga à emissora um valor acima de 200 000 reais por hora numa faixa em que ela obtém mísero 1,4 ponto de ibope – enquanto a Globo fatura em média 50 000 por hora no mesmo período, e com audiência bem maior, na casa dos 6 pontos. Apesar dessa distorção comercial, até agora não se questionou a fórmula de legalização desse duto que abastece a Record com o dízimo dos fiéis.
'Bispos' "licenciados" ocupam os cargos-chave da Record. Honorilton Gonçalves, um dos denunciados pelo Ministério Público, é o mandachuva da emissora. Os bispos respondem ainda pela área de engenharia e vendas internacionais. Os "obreiros" da Universal, ajudantes leigos, ocupam postos intermediários e funções como as de faxineiro e segurança. A igreja paga para que fiéis e pastores façam cursos como jornalismo e administração, com o intuito de aproveitá-los nos quadros da Record. O atual presidente da emissora, Alexandre Raposo, vive com a família em uma casa num condomínio de luxo em Barueri, na Grande São Paulo, que – conforme VEJA apurou – está registrada em cartório como parte de um conjunto de lotes pertencentes à Cremo Empreendimentos (a assessoria de imprensa da Record limita-se a informar que Raposo vive "num imóvel alugado").
As instalações mais importantes da rede em São Paulo não estão no nome da Record, mas da Igreja Universal. Incluem-se aí o terreno principal da sede da emissora, na Barra Funda, e o edifício no bairro dos Jardins, área nobre da cidade, em que funcionam sua assessoria de imprensa, o departamento comercial e o Instituto Ressoar – braço filantrópico da Record. A emissora alega que paga aluguel mensal pela ocupação do prédio nos Jardins – e não confirma a propriedade do terreno na Barra Funda.
A comunhão espiritual entre Record e Universal também se dá pela via contrária: a igreja se utiliza fartamente dos recursos e do material produzido pela emissora. Num dos QGs de Edir Macedo – o templo localizado na Avenida João Dias, em São Paulo, onde ele e seus principais auxiliares moram quando estão na cidade –, carros de reportagem da emissora ficam à disposição dos 'bispos' do Fala que Eu Te Escuto. As equipes do programa utilizam equipamentos da Record para produzir entrevistas nas ruas – e seus repórteres exibem o microfone com o logotipo da rede. Nos bastidores da emissora, artistas e jornalistas reclamam de ver suas atrações na Record serem recicladas no programa dos 'bispos' – sem ganhar adicional de salário por isso.
Fonte: Revista VEJA
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