Padre exorcista conta como é o ofício de combater demônios diariamente
Em uma sala mobiliada com duas mesas de madeira clara, dois computadores, uma estante e muitas imagens de santos católicos, o padre Selso Feldkircher, 70 anos, atende quem o procura, na Igreja Santa Terezinha, no Cruzeiro.
O ambiente parece tranquilo. Centenas de pessoas o procuram em busca de conselhos do líder religioso, um homem sereno, de cabelos brancos e olhos verdes. Outras querem confessar pecados e, assim, de acordo com a crença católica, ganhar o perdão de Deus.
Somente alguns, entretanto, vão até padre Selso para se livrar da possessão demoníaca. Padre Selso tem 44 anos de sacerdócio. É um dos poucos no país autorizados pelo Vaticano a comandar exorcismos. Mas não por escolha própria. Recebeu a missão há dois anos, das mãos do então arcebispo de Brasília, dom João Braz de Avis. Em 2009, com a morte do padre exorcista Júlio Negrizzolo, da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Lago Sul, foi preciso designar um sucessor. O conselho presbiteral se reuniu em julho de 2010. Escolheu os padres Selso e José Oscar, do Seminário Nossa Senhora de Fátima, no Lago Sul, para assumir a tarefa.
A demanda de exorcismos era grande, e apenas um religioso não daria conta do serviço. Assim, Selso tornou-se o único em uma paróquia nomeado para atender esse tipo de situação, mesmo sem jamais ter considerado a possibilidade de expulsar o diabo do corpo de alguém usando água benta e muita oração. “Fiquei muito surpreso. Tinha até medo desse tema. Não era algo que eu havia cogitado. A vontade de Deus, porém, é maior que tudo”, destaca. O religioso pertence à Congregação dos Servos da Caridade. Para ser obediente, uma das características exigidas de um bom padre, Selso aceitou tornar-se exorcista sem argumentar.
Começou a estudar o ritual. Recebeu de dom João Braz de Avis um exemplar do livro Ritual de exorcismos e outras súplicas. O material, de capa vermelha com letras douradas, tem 92 páginas. A publicação rege as cerimônias de libertação no mundo inteiro, dentro dos parâmetros da religião católica. Desde então, não importa se é dia, noite ou madrugada, padre Selso recebe pedidos de bênção especial para afastar o mal. Sempre há quem chegue sem avisar. As sessões podem durar mais de duas horas, em casos mais graves. Ao fim, restam ao padre esgotamento e sensação de dever cumprido; e, ao ex-possuído, fraqueza física e paz de espírito. “O demônio existe de verdade. Usa pessoas familiares para incutir o medo no ser humano”, assegura padre Selso.
A primeira vez
O pároco passou a conviver diariamente com pessoas transformadas pela dor, agressivas, que não suportam ouvir o nome de Deus. Entre esses, há até alguns que têm vozes não condizentes com o próprio sexo. Algo assustador, para a maioria dos seres humanos comuns. Selso jamais esquecerá o primeiro caso de possessão demoníaca no qual atuou.
Uma menina de 19 anos chegou à igreja acompanhada dos pais, em um dia de semana. “Era uma moça quase gordinha, com uma feição muito abalada, triste, fechada”, recorda-se. Ela se recusava a falar na presença da mãe e do pai. O casal repetia: “Ela não é nossa filha”. Quando os dois saíram, a jovem iniciou um diálogo com o padre. “Saiu uma voz grossa, de homem mesmo. Dizia: ‘O que você acha que vai fazer comigo? Você é pecador’. E gargalhava”, relata o padre. O religioso respondeu: “Eu não tenho poder, mas quem me mandou aqui tem”.
O padre iniciou as rezas. O vestido leve usado pela menina caiu, deixando-a exposta. “Ela mudou totalmente de aspecto. Parecia muito magra. Falava com uma voz doce. Ficou sorridente. Quando joguei água benta, ela caiu no chão. Quando o demônio vai embora, ele sempre joga a pessoa no chão”, conta o exorcista. Em outra situação, os pais de um rapaz do Recanto das Emas chegaram por volta das 23h, enquanto Selso fechava a igreja, buscando ajuda. O homem estava descontrolado, agressivo. Foram necessárias quatro pessoas para segurá-lo. “Mas, com um pouquinho de conversa, já percebi: não se tratava de uma caso de possessão. Ele estava daquele jeito devido a problemas com os pais. Era uma reação emocional muito rebelde”, descreve.
Movimento
Além de duas missas diárias celebradas e dos milhares de fiéis que orienta, Padre Selso precisa dar conta das dezenas de exorcismos semanais. Prefere ir à casa do enfermo, mas não rejeita quem bate à sua porta. “Vem gente de Brasília e do Entorno, de todos os lugares. Depois de ser nomeado pelo arcebispo, (as pessoas) começaram a chegar e (o movimento) nunca mais parou.”
Selso chegou a atender até três pessoas no mesmo dia, com suspeita de estarem possuídas. A maioria, entretanto, tem problemas de saúde e confunde-os com questões espirituais, conforme explica o padre: “Algo como 90% dos casos são de gente com outras doenças. Em dois anos, só posso afirmar com certeza ter visto cinco possessões demoníacas. Apenas uma ficou sem solução, porque o pai da moça possuída não aceitou o exorcismo”.
Para expulsar o mal, padre Selso usa água benta — algo temido pelo diabo, explica —, orações fortes e óleo do crisma (uma substância benzida). O sinal da cruz também é um aliado poderoso. Ele não usa nenhuma vestimenta especial para o procedimento.
Geralmente, escolhe calça social e camiseta de gola polo, acompanhada da estola (faixa de pano, símbolo de autoridade). “O demônio não olha aparência. Ele enxerga a pessoa por dentro. Mas Deus é maior. Se Ele permite que alguém seja possuído, é porque guardou algo maior, especial e muito bom para essa pessoa no futuro”, ensina.
O líder religioso ingressou no seminário quando ainda era criança, aos 12 anos. Conheceu essa opção de vida no Rio Grande do Sul, onde nasceu, graças à família, muito católica. Tem formação superior em psicologia e em filosofia. “A psicologia é necessária para ter discernimento, para identificar a possessão e os problemas de outra natureza”, esclarece. Selso está em Brasília há oito anos. Mesmo com todo conhecimento, ele admite: o exorcismo sempre estará cercado de mistérios
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sábado, 21 de janeiro de 2012
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