Neste domingo, 13, a freira baiana irmã Dulce se tornará a primeira santa nascida no Brasil — processo foi o terceiro mais rápido da história
Nota dos responsáveis pelo Blog Catolicismo Brasil: ' lembramos que ser católico não é um favor feito à Igreja Católica;
Ao contrário, é uma oportunidade que DEUS nos concede para a nossa Salvação eterna.'
“Beatíssimo Pai, a Santa Mãe Igreja pede a Vossa Santidade que inscreva a beata Dulce Pontes no Catálogo dos Santos e como tal seja venerada por todos os fiéis cristãos.” Com essa frase, dita em latim, o cardeal italiano Angelo Becciu, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, inaugurará, no Vaticano, às 10h15 (hora de Roma) do domingo 13, um momento histórico para o catolicismo brasileiro. Em seguida, o papa Francisco dará rápida anuência, oficializando a canonização da baiana Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes (1914-1992), a irmã Dulce, a primeira santa nascida no Brasil. Uma relíquia será levada ao altar — fragmentos do osso da costela da freira, cuidadosamente guardados num tubo transparente, colado numa pedra ametista em formato de coração. A missa, então, celebrará o nascimento de Santa Dulce dos Pobres, o epíteto pelo qual será conhecida. A consagração do “anjo bom da Bahia” terá sido a terceira mais rápida da história, apenas 27 anos depois de sua morte — perde para a santificação de Madre Tereza de Calcutá (dezenove anos após o falecimento da religiosa albanesa) e de João Paulo II (nove anos). A título de comparação, o processo do jesuíta espanhol José de Anchieta, o “apóstolo do Brasil”, vagou mais de 400 anos pelas gavetas da burocracia romana.
Para Francisco, a canonização de domingo, de irmã Dulce e outras quatro pessoas, é um gesto de coerência de seu pontificado, o da celebração da Igreja que se aproxima dos desvalidos — tanto a brasileira quanto a freira italiana Giuseppina Vannini, a indiana Mariam Thresia, a suíça Marguerite Bays e o inglês John Henry Newman, sacerdote anglicano convertido ao catolicismo no fim do século XIX, ostentaram em vida o permanente contato com as vozes humildes. Levá-los aos céus, para a veneração em terra, é uma tentativa de recuperação do rebanho perdido para o avanço das denominações evangélicas. Diz o sociólogo Francisco Borba, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC de São Paulo: “Desde o Concílio Vaticano II, nos anos 60, há um esforço da Igreja de mostrar a ideia de que todos podem ser santos”. Francisco leva essa ideia, que alguns consideram populista, ao apogeu.
Não por acaso, o papa argentino é o que mais fez santos (veja o quadro) — são 898 em apenas seis anos de pontificado, incluindo uma canonização coletiva de 813 pessoas no terceiro mês de seu mandato. No documento Gaudete et Exsultate (Alegrai-vos e Exultai), de 2018, ele decretou: “Ser pobre no coração — isto é santidade”. Para Geraldo Hackmann, professor de teologia da PUC do Rio Grande do Sul, “do ponto de vista prático, a canonização fortalece a Igreja Católica, aproximando os fiéis”. Outra maneira de fortalecimento proposta por Francisco é a que está em discussão no Sínodo para a Amazônia, que se realiza em Roma até a próxima semana: a ordenação de homens casados, atalho para expandir o alcance da fé católica nos grotões.

DEVOÇÃO – O túmulo da freira, em Salvador: o número de visitantes saltou de 3 000 para 15 000 neste ano (PEDRO SILVEIRA/.)
Em nome dos pobres e dos doentes, a mulher de 1,48 metro era gigante. Criou um dos maiores complexos de saúde do Brasil, o Hospital Santo Antônio, em Salvador, que hoje faz 3,5 milhões de procedimentos ambulatoriais por ano, gratuitamente. Ela atraía atenção, carinho e dinheiro de políticos e empresários como Antonio Carlos Magalhães e Norberto Odebrecht. Nascida numa família de classe média (filha de dentista e professor), tinha uma afeição espantosa pelos miseráveis. Certa vez, foi alimentar um morador de rua. Na primeira colherada, ele cuspiu a comida na cara da religiosa. Dulce reagiu: “A primeira colher era para mim mesmo, agora coma você”. Invadiu casas para abrigar gente que morava nas ruas. Foi afastada de sua congregação, a das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, em razão de suas atividades, que não seguiam regras tradicionais.

LIBERAL – O papa no Sínodo para a Amazônia: atalho para atrair mais gente (Remo Casilli/Reuters)
A reportagem de VEJA selecionou quatro histórias, entre as dezenas de milhares propostas, de pessoas que acreditam ter recebido um milagre ao rezar a irmã Dulce, relatos colhidos nas cidades paulistas de Santo André, Santa Bárbara d’Oeste e Jaguariúna, que abriga a primeira paróquia dedicada a Dulce no país (leia abaixo).

Um único processo de santificação poderia custar 750 000 euros, para análise de postulados, pagamento de traduções, contratação de médicos — sim, todo milagre só é aceito desde que a medicina seja incapaz de explicar recuperações do corpo humano — e, em casos escandalosos, o pagamento de pareceres. Quatro meses depois das denúncias, o papa Francisco criou novas regras para o rito. Em 2016, ele definiu que toda contribuição para qualquer processo de canonização tem de ser depositada numa única conta e gerenciada por um único administrador, que deve “escrupulosamente respeitar as intenções dos contribuintes”. Irmã Dulce foi canonizada sem nenhum atalho irregular. Em depoimento ao jornalista Graciliano Rocha, no livro Irmã Dulce, a Santa dos Pobres (Editora Paralela), o banqueiro Ângelo Calmon de Sá estima que a causa tenha custado 1 milhão de reais entre 1999 e dezembro de 2010, momento da beatificação anunciada por Bento XVI. O dinheiro veio de doações.
Depois da morte do candidato, uma petição formal é submetida a Roma para os passos inaugurais da beatificação (no caso de irmã Dulce, os primeiros papéis pousaram em Roma em janeiro de 2000). Com a aprovação, a diocese local indica um postulador, o encarregado de reunir os testemunhos, de reconstruir a vida do pretendente (o advogado de Dulce foi o teólogo calabrês Paolo Vilotta, de 37 anos, sempre muito bem-vestido e permanentemente calado). O passo seguinte é a exumação do corpo, modo de garantir que a pessoa existiu (dali foram extraídos os fragmentos ósseos da baiana levados a Francisco). Com o material reunido, o relator finaliza o positio, peça derradeira de defesa da postulação, submetida aos cardeais da Congregação para a Causa dos Santos, que então se debruçam sobre os supostos milagres, convocando médicos especialistas — pelo menos sete. Um milagre tem de ser preternatural (quando a ciência não é capaz de explicá-lo), instantâneo (acontecer imediatamente após a oração), duradouro e perfeito.
Na visão do Vaticano e dos fiéis, os santos e as santas levam a Deus as súplicas de seus semelhantes. Feita santa, Irmã Dulce dos Pobres tem pela frente um desafio, que, se não pode ser considerado milagroso, porque seria desrespeitoso imaginá-lo assim, é árduo: iluminar os caminhos para a Igreja Católica no Brasil. Essa talvez seja sua grande missão a partir deste domingo, 13, dia em que Francisco, o papa simples, vai canonizá-la.
“irmãzinha, me livre dessa dor”

(Egberto Nogueira/ímã Foto Galeria/.)
Carmelita Bedin, 81 anos. Santo André (SP)
“Ela apareceu para mim”

(Egberto Nogueira/ímã Foto Galeria/.)
Pedro Florentino, 58 anos, e a mulher, Aparecida, 52. Santa Bárbara d’Oeste (SP)
“Meu neto tem uma vida normal”

(Egberto Nogueira/ímã Foto Galeria/.)
Ieda Vilma da Silva Borgognoni, 75 anos, com a filha Daniele, 37, e o neto Luís Otavio, 1 ano e 7 meses. Jaguariúna (SP)
“As bonecas espalham fé”

Isaura Nogueira, 63 anos. Jaguariúna (SP)
Transcrito da Revista VEJA, edição nº 2656