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terça-feira, 4 de setembro de 2018
Por que a liturgia católica deve ser bela?
Existe
hoje em dia uma estranha tendência a pensar que, tanto na vida quanto
nos ritos religiosos, o aspecto exterior das coisas tem pouco valor,
enquanto o “interior” é tudo o que realmente importa…
Mas será assim
mesmo?
Existe hoje em dia uma estranha tendência a pensar que o aspecto
exterior das coisas tem pouco valor, enquanto o “interior” é tudo o que
realmente importa. Por exemplo, desde que você seja uma pessoa “de bom
coração”, tanto faz a sua aparência, como você se veste ou fala, de que
tipo de música gosta ou (para irmos ainda mais longe) a religião que
você professa.
Há nisso uma pontinha de verdade: a altura, o peso e a cor da pele não são, de fato, qualidades morais; pecadores e santos os há de todas as colorações, formatos e tamanhos.
O problema é que vira e mexe nos esquecemos de como o exterior brota do interior e pode, muitas vezes, revelar o que se esconde no coração.
Uma pessoa boa irá vestir-se com modéstia, falará respeitosamente e
apreciará um estilo de música que enobreça o caráter, ao invés de
degradá-lo — e tudo isso por causa das disposições interiores do
coração, ocultas a olhos humanos, mas descobertas aos de Deus. A
religião, embora se manifeste, é claro, com palavras e gestos, está
enraizada no mais íntimo da alma e expressa, exteriormente, quais são os valores e as prioridades de quem a professa.
O conhecido filósofo inglês Roger Scruton diz a esse propósito:
É bem verdade o que, em tom de gracejo, dizia Oscar Wilde: só quem é superficial não julga pelas aparências.
Pois são estas, com efeito, que transmitem sentido e constituem o
núcleo de nossas preocupações emocionais. Quando deparo com um rosto
humano, essa experiência não dá origem a um estudo anatômico, nem a
beleza do que vejo leva-me a pensar sobre os tendões, nervos e ossos
que, em alguma medida, estruturam aquela face. Pelo contrário, deter-se
no “crânio que está sob a pele” é ver tão-somente o corpo, e não a
pessoa que por ele se expressa. E isso, portanto, é perder de vista a
beleza do rosto.
Nossos antepassados da Idade Média, por conseguinte, jamais diriam — e
com toda coerência — que “pela capa não se julga o livro”. Prova disso é
que eles investiram montanhas de dinheiro na produção de ricos Evangeliários,
com pesados feixes de ouro, cravejados de pedras preciosas, para que
ficasse patente que aquele livro encerrava a Palavra de Deus e merecia,
por isso mesmo, a nossa mais profunda veneração.
Também a sagrada liturgia contém a Palavra de Deus; e não só isso: a Missa, por incrível que pareça, contém o próprio Deus, o Verbo feito carne. Eis porque seria totalmente inadequado ao conteúdo mais profundo da liturgia que os ritos externos fossem tudo menos gloriosos, imponentes, belos, solenes, reverentes.
Deveríamos poder julgar este “livro” por sua capa resplandecente, quer
dizer, a Missa pela sua aparência, por seus aspectos musical, textual e
cerimonial; deveríamos ser capazes de enxergar-lhe o coração em cada uma de suas ações. Não podemos “perder de vista a beleza do rosto”.
Insiste-se muito atualmente em que não temos de dar lá grande atenção
às “exterioridades” da Missa; basta lembrar que “Jesus está presente”.
Tiremos logo as papas da língua: “isso não cola”.
Ao longo dos séculos, os cristãos ofereceram a Deus o melhor que podiam fazer na liturgia,
sobretudo pela beleza alcançável pelas mais finas artes, a fim de que
as almas dos fiéis pudessem dispor-se melhor para adorar e glorificar o
Senhor. É nesse sentido que Santo Tomás de Aquino escreve que a liturgia não é para Deus, mas para nós.
É claro que ela tem a Deus por fim; a liturgia sequer teria sentido se
Deus não existisse e Cristo não fosse o Redentor por cujo sacrifício
fomos salvos.
Mas a liturgia nada acrescenta a Deus e a Cristo, como se os fizesse
“melhores”; eles já são infinitamente bons, santos e gloriosos. Na verdade, ela é um auxílio para nós,
que oferecemos a Deus um sacrifício de louvor, na medida em que orienta
nossas almas a Ele, nosso fim último, e alimenta nosso espírito com a
verdade de sua presença e nossos corações com o fogo do seu amor.
Tudo isso se cumpre do modo mais perfeito numa liturgia que
impressiona pelo cuidado com o altar e os vasos sagrados, pela nobreza
dos gestos e das alfaias, pelo canto e as cerimônias. Ou seja, numa liturgia que, do início ao fim, manifesta profundamente a proximidade e a transcendência de Deus.
Uma liturgia assim, celebrada com sacralidade, dificilmente servirá a
fins e propósitos seculares, mas inspirará em quem a ela assistir respeito, encanto e espírito de oração.
Numa palavra, o homem, enquanto criatura intelectual e corpórea,
tirará muito menos proveito de uma liturgia quer excessivamente “verbal e
cerebral” quer superficialmente “pomposa” do que de uma liturgia que,
além de rica em textos e cerimônias, esteja embebida de simbolismo. Eis o que são todas as liturgias cristãs históricas; eis o que não é, infelizmente, boa parte das liturgias católicas atuais.
Uma grata exceção a essa regra seria o crescente número de lugares em
que se tem oferecido o rito romano tradicional, chamado também “forma
extraordinária” da Missa. É um rito saturado de sacralidade que, por
assim dizer, quase nos “obriga” a rezar, a mergulhar de cabeça nos mistérios de Cristo através dos gestos externos, à semelhança dos discípulos de Emaús, que reconheceram o Senhor durante a fração do pão (cf. Lc
24, 35). O rito litúrgico é como o pão milagrosamente multiplicado e
dividido ao redor do mundo, oferecido na mesa dos reis e pobres que
buscam um alimento imperecível. Quando partimos esse pão ao participar
do rito, abrem-se-nos os olhos para reconhecer Cristo ressuscitado.
“Quando a religião e a arte se divorciam, é difícil saber qual das duas se corrompeu primeiro.”
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