Por que a Igreja
insiste em tentar excluir?
Sem nenhuma vocação para panfletagem, digo ao padre
que nunca concordei, por exemplo, com a condenação prévia de gays pela Igreja
As ruas da arborizada Vila Nova Conceição estavam
vazias. Asfalto ainda molhado. Choveu pacas um dia antes. A pequena igreja entre
prédios com apartamentos de R$ 10
milhões está de portas abertas. Movimento, apenas de quem chegava para o
curso de batismo, no último sábado. No salão paroquial, cadeirinhas brancas de
plástico formavam um U, que desembocava num altar decorado com vela embalada em
casca de bambu e um quadro de tapeçaria com Jesus Cristo nos braços de Nossa
Senhora. São dez da manhã.Camisa listrada em tons pastéis, calça jeans segurada
por um cinto de couro com fivela dourada, Valentim é todo entusiasmo para falar
do ritual do qual serei coadjuvante daqui a algumas semanas. Conversa daqui,
sermão dali, tudo transcorre como previa o protocolo até a pausa pro cafezinho.
Seu Valentim sai de cena. Todos ficam ao redor da mesa forrada em toalha azul.
Para o desjejum, suco de tangerina, biscoito amanteigado e rodelas de
salaminho.
Mais ansioso que nosso primeiro anfitrião, o padre
responsável pelo pedaço assume o controle. Gesticula muito e se movimenta como se respeitasse
marcações feitas com esparadrapos no chão. Olha nos olhos de pais e padrinhos,
que assistem a tudo a fim de conquistar a folha de sulfite sem timbre que lhes
dá o direito de batizar alguém. Quieto eu estava, até que ele resolve pregar o
quanto a Igreja só pensa no bem das pessoas. Um por um, pergunta no recinto se
todos concordam com a tese. “Ele não vai
me perguntar nada, ele não vai me perguntar nada, ele não vai me perguntar
nada” e... “Então, rapaz, o que você
acha?” Veio logo um palavrão na cabeça, impronunciável até em feira livre.
Sem nenhuma vocação para panfletagem, digo ao padre que nunca concordei, por
exemplo, com a condenação prévia de gays pela Igreja. O padre tosse
discretamente, diz que o assunto é importante e que voltaria a ele antes do fim
do nosso encontro.
Diante de
olhares cuja curiosidade é menos intensa que os bocejos, pensei que ninguém
estava a fim de discutir sexualidade, mas sim de zarpar o quanto antes para
aproveitar o fim de semana. Mas o padre é arisco, e volta com carga total. “Você não precisa se sentir excluído, meu
filho?”. Ué, excluído, como assim? Havia acabado de rir com minha mãe no
telefone, trabalhado como sempre naquela semana, beijado na boca naquela manhã,
planos para almoçar com amigos. Será que sairia dali e mamãe não me atenderia
mais, teria perdido meu emprego, não o encontraria quando voltasse para casa, o
almoço seria cancelado? É um almoço tradicional, eu mesmo organizo, será que
agora eu “tô fora”?.O padre evoca
preceitos morais. Diz que os princípios da Igreja devem ser respeitados. Subo
nas tamancas, reajo, não entendi como, panfletariamente. Que não me sinto
excluído, tampouco minha moral seria colocada à prova. Que aquele discurso era
cafona, antiquado e incitava um ódio que termina sabemos bem no quê. O padre dá
um passo para trás. Continuo com as pernas cruzadas, cotovelo sobre os joelhos,
mãos com dedos em L segurando o queixo. Mariana, grávida há seis meses de
Francisco, se recupera de uma outra provocação do padre. Poderia uma virgem
conceber uma criança? Começa o sambalelê. Um
tal de críticas a quem muda de sexo, a quem não respeita a castidade, a quem
bebe além da conta, a quem não representa a família. Ponto a ponto, rebato
o discurso. Repito que condenações prévias nunca fizeram bem a ninguém. Os
certificados são distribuídos. Sou o último a recebê-lo. Uma mensagem chega no
meu celular. “Foi por isso que eu escolhi
você para ser o padrinho do meu filho. Estamos te esperando”. O almoço com
os amigos foi uma delícia.
Nota dos editores do Blogo Catolicismo Brasil: Indiscutivelmente o autor do texto não tem
condições de ser padrinho de batismo de uma criança. A escolha feita pelos pais
foi péssima e só resta rogar a Deus que a criança nunca precise receber
orientação religiosa do padrinho.
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