Corria o ano de 1264 quando o Papa Urbano IV encomendou,
aos principais teólogos da época, a composição da Sequência da Missa de Corpus
Christi, festa cuja promulgação era iminente. Após cada um deles elaborar sua
obra, todas deveriam ser cotizadas umas com as outras, sendo escolhida a
melhor.
Chegado
o dia da prova, reunidos todos os teólogos em um grande salão, o Papa
determinou que São Tomás de Aquino lesse a sua composição em primeiro lugar. Os
concorrentes eram grandes gênios na ciência de Deus, entre eles o famoso São
Boaventura. Tal foi o encanto com que todos acompanharam as palavras do Doutor
Angélico que, no fim, a uma, todos rasgaram seus trabalhos, votando assim
coletivamente no conhecido e belo hino “Lauda Sion”.
Esse
fato comovedor, característico dos tempos nos quais “a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente
estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era
florescente” (Leão XIII, Immortale Dei), veio-me à lembrança ao
deparar com os documentos que a seguir transcreverei.
Explico-me.
Solicitado a redigir um artigo sobre a Medalha Milagrosa, ao compulsar os
textos referentes à matéria, minha atenção se deteve agradavelmente sobre um
artigo da revista “L’Ami du Clergé” de abril de 1907. Julguei-o tão bem escrito,
com tão grande espírito de síntese e piedade, que resolvi enviar o meu para o
arquivo e pôr mãos à obra na tradução, a fim de colocar à disposição dos
leitores o texto da publicação francesa.
Com a palavra “L’Ami du Clergé”.
I –
Aparição da Medalha Milagrosa
Em 27 de novembro de 1830, a Virgem Imaculada aparecia na
capela da Casa-Mãe das Filhas da Caridade, em Paris.
Eram
por volta de cinco horas e meia da tarde. Em profundo silêncio, a Irmã Catarina Labouré fazia sua
meditação. De repente, ela ouviu um ruído como o frufru de um vestido de seda,
vindo do lado da Epístola. Levantou os olhos e deparou com a Santíssima Virgem
Maria, resplandecente de luz, trajando um vestido branco e um manto
branco-aurora. Os pés da Mãe de Deus pousavam sobre a metade de um globo; suas
mãos seguravam outro globo, que Ela oferecia a Nosso Senhor com uma inefável
expressão de súplica e de amor. Mas eis que esse quadro vivo se modifica
sensivelmente, figurando o que foi depois representado na Medalha Milagrosa. As
mãos de Maria, carregadas de graças simbolizadas por anéis radiosos, emitem
feixes de raios luminosos sobre a terra, mas com maior abundância num ponto.
Ouçamos a narração da
piedosa Vidente:
“Enquanto
eu a contemplava, a Virgem Santa baixou seus olhos para mim, e uma voz me disse
no fundo do coração : ‘Este globo que vês representa o mundo inteiro,
especialmente a França e cada pessoa em particular’.
“Não
sei exprimir o que pude perceber da beleza e do brilho dos raios.
“E a
Virgem Santa acrescentou: ‘Eis o símbolo das graças que derramo sobre as
pessoas que me pedem’, dando-me a entender quanto Ela é generosa para quem a
invoca… quantas graças Ela concede às pessoas que Lhe pedem… Nesse momento, eu
estava ou não estava… não sei… eu saboreava aqueles momentos! ”
Formou-se
em torno da Santíssima Virgem um quadro meio ovalado, no qual se liam estas
palavras, escritas em letras de ouro: ‘Ó Maria concebida sem pecado, rogai por
nós que recorrermos a Vós’.
“Depois
se fez ouvir uma voz que me disse: ‘Faze cunhar uma medalha conforme este
modelo; as pessoas que a portarem com piedade receberão grandes graças,
sobretudo se a levarem no pescoço; as graças serão abundantes para aqueles que
tiverem confiança’.”
Corpo incorrupto de S. Catarina Labouré venerado na Capela da
Rue du Bac, Paris
Rue du Bac, Paris
A
Medalha foi cunhada e espalhouse com maravilhosa rapidez pelo mundo inteiro, e
em toda parte foi instrumento de misericórdia, arma terrível contra o demônio,
remédio para muitos males, meio simples e prodigioso de conversão e de
santificação.
II –
Graças recebidas
A partir daqui, “L’Ami du Clergé” passa
a estampar algumas graças recebidas por meio da Medalha Milagrosa.
Imagens representando as
aparições
(Convento de Rue du Bac, Paris)
(Convento de Rue du Bac, Paris)
Rochefort
e a Santíssima Virgem
Cassagnac (1) relatou o incidente do duelo que ele travou
com Rochefort, a propósito de um artigo por este escrito sobre Maria Antonieta:
“Era o
dia 1º de janeiro. Caíam enormes flocos de neve, e o branco manto subia até os
joelhos. Entregaram-me o revólver para carregar as seis balas, que Rochefort
havia ferozmente exigido, e eu tinha aceito com a despreocupação da juventude
e, talvez, a certeza de que não seria necessário usá-las todas, devendo uma só
ser suficiente.
“Rochefort
atirou e errou o alvo. Eu atirei. Rochefort caiu. Julguei-o morto, pois a bala
o atingiu onde eu tinha visado: em pleno quadril. Destino singular o de
Rochefort! Ele é quase sempre ferido em duelo.
“Os
assistentes o rodearam. Muito surpreso, o médico constatou que, em vez de ser
atravessado de lado a lado, como deveria fatalmente ter acontecido, ele não
recebeu mais do que uma violentíssima contusão. Portanto, a bala havia sido
desviada. O que a desviara? O médico procurou e, cada vez mais surpreso,
mostrou-nos uma medalha furada pela bala, medalha da Virgem que uma mão amiga
tinha costurado secretamente na cintura da calça.
“Sem
essa milagrosa medalha, Rochefort teria caído morto.”
“Que ele
venha agora…”
Oito soldados moribundos foram conduzidos ao hospital. Um
deles recusou confessar-se. A Irmã escorregou uma medalha da Virgem Santíssima
sob o travesseiro do pobre enfermo.
No dia
seguinte, ele chamou a Irmã e lhe disse:
– A
gente morre como cão aqui? Sou cristão e quero confessar-me.
– Eu
lhe propus isso ontem e você disse “não”; e até mesmo expulsou o sacerdote –
respondeu a Irmã.
– É
verdade, e lamento essa atitude. Que ele venha agora.
“A Virgem
Santa me salvou!”
Na véspera da Imaculada Conceição, conta uma freira de
orfanato, eu distribuí às crianças medalhas da Virgem Maria, contando-lhes
alguns milagres ao alcance de suas inteligências infantis. Terminei
dizendo-lhes que se elas portassem sempre essa preciosa medalha, a Santa Virgem
as preservaria de qualquer acidente.
Nossa
boa Mãe não tardou a justificar essa certeza, e de maneira bem surpreendente.
Na tarde de 11 de dezembro, às seis horas, um menino de cinco anos, chamado
José, brincava diante de sua casa com outros de idades próximas da sua. Um
destes, mais velho que ele, empurrou-o tão fortemente que o pequeno foi cair
debaixo da roda de uma carroça que atravessava a rua naquele momento. A roda
passou sobre a perna do pobre menino. Ouvindo seus gritos desesperados, sua mãe
acorreu em prantos e ergueu do chão seu pobre pequeno José, que ela julgava
estar triturado, e o levou para dentro da casa. Mas – oh surpresa! – ele estava
são e salvo. Não se pôde sequer descobrir a marca da roda que, entretanto,
todas as testemunhas da cena viram passar sobre sua perna.
Somente
José não se surpreendeu: “É verdade, mamãe – disse ele – não sofri mal algum.
Bem nos disse outro dia a Irmã que a Santa Virgem nos protegeria sempre que nós
portássemos sua medalha”. E ele beijava de todo coração essa medalha tão
querida.
No dia
seguinte, a mãe veio cheia de emoção contar-nos “o milagre que a Santa Virgem
fizera em favor de seu pequeno José”.
As
pessoas que viram o menino sob a roda da carroça, e outras que ouviram falar do
acidente, interrogavam- no a respeito. A todos ele respondia mostrando sua
medalha:
– A
Virgem Santa me salvou!
A medalha de Bugeaud
Bugeaud (2) conservou sempre consigo a medalha de
sua filha, nos perigos de suas dezoito campanhas militares ao longo das quais
tantos valentes tombaram a seu lado sob os golpes dos árabes. Essa medalha
estava ainda pendurada ao seu pescoço quando ele faleceu, aos 65 anos, dando
mostra dos mais admiráveis sentimentos.
Eis um
episódio que confirma sua confiança na Mãe de Deus.
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Cadeira em que Nossa Senhora
se sentou durante a aparição |
Num dia
de combate, percebendo, duas horas após a partida, que tinha esquecido sua
medalha, ele chamou um spahi (3) e lhe disse: “Meu bravo soldado, teu cavalo
árabe pode fazer quatro léguas por hora.
Deixei minha medalha pendurada em
minha tenda, no acampamento. E não posso travar batalha sem ela. Vou mandar
parar a tropa e esperar-te durante uma hora, de relógio na mão”. O cavaleiro
partiu a todo galope e retornou uma hora depois. Quando ele entregou a medalha
ao velho combatente, este a beijou em presença de seu estado- maior, colocou-a
no peito e disse em alta voz: “Agora posso avançar. Com minha medalha, nunca
fui ferido. Avante, soldados! Vamos derrotar os cabilas!”
Salvas de uma avalanche
Uma avalanche tinha esmagado uma aldeia dos Alpes.
Os soldados enviados para prestar socorro à população encontraram sob os
escombros uma mulher e sua filha, que passaram doze horas em aflições indescritíveis.
A mãe
contou que sua filha ficara desmaiada por várias horas e que ela a julgava
morta. Por sua vez, ela queria morrer, para não agonizar durante muito tempo
sobre o pequeno cadáver. De repente, sentiu a mão gelada de sua filha
tocar-lhe.
–
Margarida!
– Onde
estamos, mamãe?
–
Pobrezinha, estamos nas mãos de Deus.
A
escuridão era completa, e as duas infelizes tinham feito o sacrifício de suas
vidas. Ao cair da tarde, elas ouviram um ruído surdo: era o barulho das
picaretas dos soldados que vinham socorrê- las. Somente então essas pobres
sepultadas-vivas sentiram renascer a esperança.
– Avante!
Estamos aqui, deste lado. Pelo amor de Deus e da Virgem Maria, avante!
Por volta
de cinco horas da tarde elas estavam salvas.
Os cabelos
da mãe tinham embranquecido durante essas doze horas. E as duas mostravam a
medalha que cada uma portava ao pescoço, dizendo: – Eis aqui a salvação e a
vida!
Retorno ao bem
Um rapaz que infelizmente estava afastado do Deus
de sua infância, mas tinha uma mãe muito piedosa e boa, ficou gravemente
enfermo. A morte se aproximava rapidamente. Não queria ele ouvir falar de Deus
nem de religião. Tudo quanto sua pobre mãe tentava fazer por ele era em vão.
Ela tomou então uma Medalha Milagrosa e a pôs na cama do doente, sem este
perceber. De repente, o moço começou a se agitar vivamente e disse à mãe:
– O que a
senhora pôs na minha cama? Não consigo mais dormir.
A mãe
tentou acalmá-lo, sem, contudo, dizer o que havia feito. Entretanto, ela foi
obrigada a se ausentar por alguns instantes, e o rapaz, embora bastante
debilitado, pulou da cama e descobriu por fim a medalha. Ficou tão furioso que
pegou a imagem de Maria, arrastou-se até a porta, e gritou:
– Eu não
preciso dessas coisas!
A Virgem
Santíssima, tratada de forma tão indigna por esse pobre infeliz, teve,
entretanto, piedade dele e, por um milagre quase inaudito de misericórdia, fê-lo
mudar completamente: ele pediu à mãe para procurar um sacerdote, confessou- se
com o mais ardoroso arrependimento, e morreu no dia seguinte, recebendo todos
os sacramentos da Igreja.
1) Paul
Granier de Cassagnac e Henri Rochefort, jornalistas e políticos franceses, no
fim do século XIX.
2) Thomas Bugeaud, Marechal de França, Governador Geral da Argélia (1840-1847).
3) Soldado de cavalaria na Argélia.
2) Thomas Bugeaud, Marechal de França, Governador Geral da Argélia (1840-1847).
3) Soldado de cavalaria na Argélia.
AUTOR: MONS. JOÃO CLÁ DIAS, EP
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