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domingo, 11 de abril de 2010

O Santo Sudário - Manto de mistérios

Exposto novamente à visitação pública, o Santo Sudário continua dividindo as opiniões de especialistas do mundo todo. Enquanto alguns dizem acreditar que o tecido realmente envolveu o corpo de Jesus Cristo, outros estão convencidos de que se trata de uma fraude

“José tomou o corpo, envolveu-o em um pano de linho limpo e colocou-o em sua própria nova tumba, cortada na rocha. Ele rolou uma grande pedra na entrada da tumba e partiu.” Mateus, o coletor de impostos que se tornou um dos 12 apóstolos, assim escreveu em seu evangelho sobre o misterioso tecido que teria coberto Jesus Cristo após sua morte. Os livros de Marcos e Lucas trazem passagens quase idênticas. Desde ontem, uma suposta mortalha na qual está impregnado o contorno do corpo de um homem de barba e cabelos compridos é exibida ao público na Catedral de Turim, no norte da Itália. Até 23 de maio, cerca de 2 milhões de pessoas terão a oportunidade de ver de perto a relíquia reverenciada pelos católicos como a única prova do milagre da ressurreição. No próximo dia 2, o papa Bento XVI também estará diante da peça.
O Santo Sudário, como é chamado o tecido de linho egípcio de 4,36m de comprimento por 1,1m de largura, alimenta a polêmica entre cientistas do mundo inteiro. Na semana passada, um documentário de duas horas transmitido pelo History Channel — canal de TV a cabo — divulgou os resultados de uma pesquisa segundo a qual especialistas em computação gráfica criaram uma imagem tridimensional do rosto impresso no Santo Sudário.
O físico John P. Jackson, diretor de Pesquisas do Centro do Sudário de Turim no Colorado, foi quem produziu, pela primeira vez, um “retrato” em 3D do suposto Cristo, em 1989. “Parece-me que as imagens que obtive são muito diferentes, na estrutura facial geométrica, do que a criação de Ray Downing (o artista em computação que realizou a recente façanha)”, afirmou ao Correio, por e-mail.

Para Rebecca Jackson, mulher de John e diretora de operações do instituto, a obra de Downing se parece mais com um rosto grego-semítico do que com o de um homem de ascendência judia. O casal de cientistas norte-americanos acredita que o Sudário é o mesmo tecido visto pelos cruzados em 1203, na cidade de Constantinopla. “Constatamos que o pano é datado de uma época anterior ao século 14. Também investigamos um possível mecanismo pelo qual a datação por radiocarbono teria sido alterada por meio do acúmulo de carbono C-14 proveniente do monóxido de carbono da atmosfera”, disse Rebecca.

Por sua vez, John aposta que o tecido realmente envolveu o corpo de Jesus e, por isso, abre uma série de possibilidades científicas. “Se o Sudário de Turim é a mortalha de Jesus, então também seria o tecido histórico da ressurreição. Isso equivaleria a um sítio arqueológico de onde surgiu o cristianismo e nos permitiria explorar cientificamente o que aconteceu dentro da sepultura de Cristo, 2 mil anos atrás”, acrescentou o especialista.

Peter J. Shield, autor de À imagem de seu Deus — o curso do Sudário, estudou pessoalmente o tecido em 1987. “Jamais saberemos se a imagem no Sudário de Turim é a de Cristo. Não existe DNA que possa ser comparado ao sangue no tecido”, disse à reportagem, também por e-mail. “O melhor que seremos capazes de afirmar é que se trata da representação de um homem de 1,82m, que foi crucificado e torturado da mesma maneira que Cristo, segundo os registros bíblicos”, assegurou.

De acordo com o especialista, a imagem do suposto Jesus é “mais precisa e incontestável do que a transmitida pelos textos da Bíblia”. Shield lembra que os relatos dos evangelhos sofreram várias interpretações e traduções ao longo dos anos. “Acreditamos que o Sudário é um pano do século 1, ainda em condições originais”, afirmou. O Santo Sudário resistiu até mesmo a um incêndio na Catedral de Chapelle, em 4 de dezembro de 1532, onde estava guardado sob as ordens do papa Clemente VII.

Algumas conclusões das recentes análises sobre o estudo impressionaram Shield. “A imagem com certeza pertence a um homem que foi torturado com o flagrum romano (instrumento de tortura da época de Cristo), com marcas de perfuração no crânio”, explicou. “Trata-se de um homem que provavelmente sangrou no alto da cruz e sofreu a maior parte de suas feridas ainda quando estava vivo. Há sinais de sujeira sobre a impressão dos joelhos no pano”, acrescentou.

Farsa

Especialista em química orgânica da Universidade de Pavia, a 35km de Milão, o italiano Luigi Garlaschelli também estudou o tecido de linho e criou uma cópia do Sudário de Turim. Ele insiste que a relíquia católica não passaria de uma farsa. Ao Correio, Garlaschelli apontou uma série de motivos que o levariam a crer nessa tese. “As mortalhas provenientes da Palestina daquela época eram totalmente diferentes: usava-se lã e não linho, e os corpos eram amarrados ao tecido”, revela. “Além disso, o Sudário de Turim apareceu na França, em 1355, sem que houvesse indícios dele antes disso”, garantiu, questionando a exposição da peça aos cruzados, no século 13.

Segundo ele, um bispo francês daquela época atestou a farsa e chegou a indicar o artista responsável pela confecção. “Um corpo real não deixa esse tipo de impressão sobre um tecido, mas uma imagem distorcida. Além disso, as marcas de sangue são totalmente impossíveis”, acrescentou. O químico lembra que o Sudário foi submetido a um exame por datação de carbono em 1988. “Por coincidência, ele foi fabricado por volta de 1300, segundo o teste”, disse.

Rebecca Jackson discorda de Garlaschelli e assegura que o Santo Sudário guarda muitas características importantes, entre elas a qualidade de seu negativo — que realça ainda mais a face do suposto Cristo — e sua tridimensionalidade. Tanto que a Igreja Católica precisou intervir para proibir a venda de óculos para visão em 3D às portas da Catedral de Turim. “A importância dessas características está em sua habilidade de testar várias hipóteses científicas em relação à origem da imagem, bem como sua autenticidade”, concluiu a norte-americana.


Se o Sudário de Turim é a mortalha de Jesus, então também seria o tecido histórico da ressurreição (...) e nos permitiria explorar cientificamente o que aconteceu dentro da sepultura de Cristo, 2 mil anos atrás”
John P. Jackson, diretor de Pesquisas do Centro do Sudário de Turim

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