Certamente na sua vida você poderia elencar ao menos um episódio deste gênero (uma vitória alcançada ou uma tragédia vivenciada, um amor que chega ou se vai etc.), e não é diferente na história da salvação. O tempo cronológico (“krónos”) é santificado pela presença do Filho de Deus entre nós (“na plenitude do tempo” – Gl 4,4; cf. Mc 1,15; Ef 1,10), de modo que se tornou “breviátum” (1Cor 7,29) e o seu fim a cada dia mais próximo (“própe” – Ap 22,10; cf. Rm 13,11s). No ventre de Maria, a partir do seu “faça-se” (“fiat”), inaugura-se a autêntica nova era, i.e., o tempo (“kairòs”) “aceitável” ou o “dia da salvação” (2Cor 6,2), pois em Jesus o eterno “entrou” no tempo cósmico e histórico, e assim cada instante de que dispomos está carregado de um maravilhoso sentido (cf. Hans Urs Von Balthasar, Teologia della storia, Morcelliana, 1964, p. 33).
Na correria do mundo moderno – ou pós-moderno – é perigoso perdermos de vista o valor eterno de cada momento que vivenciamos.
Quem é mais antigo talvez se recorde dos sinos que badalavam indicando
algumas horas e convidando os trabalhadores a voltarem o seu coração
para os Céus, ao menos por uns instantes. Tal costume ainda persiste em
muitos lugares, e pode muito nos ajudar a viver aquilo que o sábio já
dizia: “Há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo
do céu” (Ecle 3,1). O toque do sino e a oração da manhã e à tarde se
encontra pela 1ª vez na Itália (Monte Cassino e arredores) no século
XIII; o toque ao meio-dia é mencionado em Praga no ano de 1386; no
século XVIII o uso de badalar o sino três vezes ao dia se tornou geral
(cf. Bihlmeyer-Tuechle, História da Igreja, vol. 2, Ed.
Paulinas, 1964, p. 451). De fato, os cristãos, desde os primórdios,
procuraram paulatinamente santificar as diversas horas do dia (uma
tradição de origem judaica), e por isso, por exemplo, a Escritura nos
relata que “Pedro e João subiam ao templo à hora da oração, às quinze
horas” (At 3,1).
Uma
das categorias mais importantes que encontramos na Sagrada Escritura –
ao lado de “aliança”, “misericórdia” etc. – é justamente “memória”. Deus não se esquece do ser humano e o ser humano é convidado a não se esquecer daquilo que o Senhor realizou em seu favor,
transformando estas lembranças em fonte para a espiritualidade e as
celebrações, tanto individual como coletiva. “A memória tem muitas
maneiras de prolongar no presente a eficácia do passado. Em hebraico, os
sentidos do verbo zkr, em suas várias formas, dão disso uma
idéia: lembrar-se, recordar, mencionar, mas também conservar e invocar,
ações todas essas que desempenham um papel mais importante na vida
espiritual e na liturgia”, constata Jean Corbon (Vocabulário de teologia bíblica, Vozes,
6ª. ed., 1999, col. 571). É por isso que os grandes momentos da
história da salvação – a Páscoa do povo hebreu e a Páscoa de Cristo –
incluem um claro apelo: “Este dia será para vós um memorial...” (Êx 12,14); “Fazei isto em minha memória”
(“anámnesin”: Lc 22,19). Dentre todos os instantes da história,
certamente um merece ser recordado – segundo nosso calendário e os
estudos atuais, era o dia 8 de abril do ano 30 d.C., às 3 horas da
tarde, fora dos muros de Jerusalém...
A hora da misericórdia divina por excelência!
Após
3 anos de intenso ministério, e após 3 horas de intensa agonia, Nosso
Senhor Jesus Cristo consumou a sua obra de misericórdia em prol do
gênero humano. Esta é a “Hora” de Jesus por excelência, tão
desejada por Ele, conforme se lê pelo menos 10 vezes em S. João: “Ainda
não chegou a minha hora” (Jo 2,4; cf. 4,23; 7,30; 8,20); “É chegada a hora de
ser glorificado o filho do homem” (Jo 12,23; cf. 12,27; 13,1; 16,4;
16,32; 17,1). Aquele momento foi extraordinário, com repercussões também
no mundo físico: “Chegada a hora sexta [12h] houve trevas sobre a terra
inteira até a hora nona [15h]” (Mc 15,33) – ao dar um grande grito:
“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46), expirou – e então
o véu do Templo se rasgou, as rochas se fenderam e muitos corpos dos
santos falecidos ressuscitaram (Mt 27,51s). Certamente cada ato
realizado por Jesus carrega um valor infinito, mas o seu nascimento e a sua morte constituem os atos mais belos deste drama humano-divino, e por conseguinte merecem ser celebrados pelos seus discípulos – particularmente esta “hora” em que Jesus entrega ao Pai o seu espírito humano e nos doa o Espírito divino (Catecismo, n. 730; cf. 2746).
A história da Igreja está
repleta de homens e mulheres que procuravam viver intensamente os
mistérios da vida de Jesus. Dentre elas, modernamente se destaca Santa Faustina Kowalska
(+1938), que foi associada pelo próprio Jesus ao seu mistério pascal
como raramente se encontra na hagiografia cristã (outros exemplos seriam
o de S. Gema Galgani, S. Padre Pio etc.). Ele deixou claro que a
meditação sobre a sua Paixão é uma fonte inesgotável de bênçãos para o
indivíduo: “Concedo as graças mais abundantes às almas que meditam piedosamente sobre a Minha Paixão” (D 737). Deste modo, a hora da
sua entrega por nós na cruz – 3 horas da tarde – foi-se tornando um
elemento distintivo na espiritualidade da santa polonesa e assim no
movimento que, sem saber, estava-se iniciando. Ao longo de 4 anos (1935-1938) o próprio Jesus lhe foi instruindo a respeito desta hora sagrada:
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Em 1935 descreve uma belíssima vivência mística: “Na Sexta-feira Santa, às três horas da tarde, quando entrei na capela, ouvi estas palavras: Desejo que a Imagem seja venerada publicamente. Então vi Jesus agonizando na cruz em grandes dores, e do Seu Coração saindo os mesmos dois raios, tal como na Imagem” (D 414).
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Em 1936 se lê: “Sexta-feira Santa. Às três horas vi Jesus crucificado, que olhou para mim e disse: Tenho sede. — Então, vi que do Seu lado saíam os mesmos dois raios que estão na Imagem. Então, senti na alma um desejo de salvar almas e de aniquilar-me pelos pobres pecadores. Ofereci-me em sacrifício ao Pai Eterno pelo mundo inteiro, com Jesus agonizante” (D 648).
-
Em 1937, também na Sexta-feira Santa: “Às três horas rezei, com os braços estendidos, pelo mundo todo. Jesus já estava terminando Sua vida como mortal. Ouvi Suas sete palavras, depois olhou para mim e disse: Querida filha do Meu Coração, tu és Meu alívio em meio aos terríveis tormentos” (D 1058).
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No final daquele ano, Jesus pediu:
“Às três horas da tarde, implora
à Minha misericórdia especialmente pelos pecadores e, ao menos por um
breve tempo, reflete sobre a Minha Paixão, especialmente sobre o
abandono em que Me encontrei no momento da agonia. Esta é a Hora de
grande misericórdia para o Mundo inteiro. Permitirei que penetres na
Minha tristeza mortal. Nessa hora nada negarei à alma que Me pedir pela
Minha Paixão...” (D 1320).
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No ano da morte de S. Faustina (1938), o Senhor completou a sua instrução sobre a hora da misericórdia:
“Lembro-te, Minha filha, que
todas as vezes que ouvires o bater do relógio, às três horas da tarde,
deves mergulhar toda na Minha misericórdia, adorando-A e glorificando-A.
Implora a onipotência dela em favor do Mundo inteiro e especialmente
dos pobres pecadores, porque nesse momento foi largamente aberta para
toda a alma. Nessa hora, conseguirás tudo para ti e para os outros.
Nessa hora, realizou-se a graça para todo o Mundo: a misericórdia venceu
a justiça. Minha filha, procura rezar, nessa hora, a Via-sacra, na
medida em que te permitirem os teus deveres, e se não puderes fazer a
Via-sacra, entra, ao menos por um momento na capela e adora o Meu
Coração, que está cheio de misericórdia no Santíssimo Sacramento. Se não
puderes sequer ir à capela, recolhe-te em oração onde estiveres, ainda
que seja por um breve momento. Exijo honra à Minha misericórdia de toda
criatura, mas de ti em primeiro lugar, porque te dei a conhecer mais
profundamente esse mistério” (D 1572).
Destes ensinamentos se pode depreender que Jesus deseja que às 3 horas da tarde: 1) façamos uma parada para clamar a misericórdia divina pelos pecadores do mundo inteiro (naturalmente nos incluindo nesta oração!); 2) recordemos na fé o seu sofrimento por nós (físico, psicológico e espiritual), e ipso facto a sua cruz; 3) não apenas devemos pedir a misericórdia, mas glorificar este excelentíssimo atributo divino; 4) este momento de oração pode ser realizado em qualquer lugar
em que estivermos, e quem o puder procure rezar numa igreja ou
oratório; 5) recomenda-se explicitamente a Via-Sacra, mas pode ser
utilizada qualquer oração, como p. ex. o terço da divina misericórdia.
É verdade que em todo
momento e lugar podemos prestar honra à divina misericórdia (D 1), mas
Jesus nos propõe fazermos memória (zikkaron) da sua entrega suprema às 3 horas da tarde. Portanto,
caro irmão e irmã, onde quer que esteja (programe o seu relógio para
disparar também às 15h!), una-se a nós neste momento de adoração, ação
de graças, reparação e súplica à divina misericórdia, com confiança na
sua imensa generosidade para conosco!
Fonte: Portal da Divina Misericórdia
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