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sexta-feira, 17 de maio de 2019
“Mil mortes e mil ressurreições” - Pentecostes
Em
Pentecostes, Cristo se reveste de um novo Corpo: a Igreja. E, assim
como seu corpo físico morreu e ressuscitou, também seu Corpo Místico
“terá, no decurso da história, mil mortes e mil ressurreições”.
Dez dias depois da Ascensão, os Apóstolos encontravam-se reunidos,
esperando o Espírito que lhes ensinaria e revelaria tudo o que Nosso
Senhor lhes tinha ensinado. Durante sua vida pública, Cristo afirmara-lhes que havia de revestir-se de um novo corpo.
Não físico, como o que tomou de Maria; esse corpo está agora
glorificado, à mão direita do Pai. Não seria tampouco um corpo moral,
como uma sociedade cuja unidade deriva da vontade dos homens; mas,
antes, um novo Corpo Social, que estaria ligado a Ele pelo seu Espírito
Celeste, por Ele enviado ao deixar a terra. Cristo referiu-se algumas vezes a este novo Corpo como Reino, ainda
que São Paulo o descrevesse como Corpo, o que se tornava mais facilmente
compreensível para os gentios.
“A Descida do Espírito Santo”, por Ticiano
Ele explicou aos Apóstolos a natureza
deste novo Corpo, que assumiria sete características principais:
Para ser membro desse novo Corpo, os homens têm de nascer para ele;
mas não por meio de um nascimento humano, porque esse faz filhos de
Adão. Para tornar-nos membros do seu novo Corpo, temos de renascer pelo
Espírito, nas águas do batismo que nos tornam filhos adotivos de Deus.
A
unidade entre Ele e este novo Corpo não consiste em lhe cantarmos
hinos, nem em reunir-nos em chás sociais em seu nome, nem em escutar
radiodifusões, mas em participarmos da sua vida: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós… eu sou a videira, e vós os ramos” (Jo 15, 4-5).
O
seu novo Corpo será, como todas as coisas vivas, pequeno a princípio —
até, como Ele disse, “semelhante a um grão de mostarda”; mas crescerá da
simplicidade para a complexidade, até à consumação do mundo. Como Ele
se exprimiu: “Primeiro a erva, depois a espiga, e por fim o grão gerado
na espiga” (Mc 4, 28).
Uma casa cresce de fora para
dentro, na colocação de pedra sobre pedra; organizações humanas crescem
adicionando homem a homem, da circunferência para o centro. O seu Corpo,
disse Cristo, será formado de dentro para fora, como se forma o embrião
no corpo humano. Assim como Ele recebeu a vida do Pai, assim receberiam os fiéis a vida dele. São estas as suas palavras: “Para que também eles sejam um em nós, como tu, Pai, o és em mim, e eu em Ti” (Jo 17, 21).
Nosso Senhor afirmou que teria um só Corpo.
Seria uma monstruosidade espiritual, se tivesse muitos corpos ou uma
dúzia de cabeças. Para o conservar uno, por-lhe-ia à frente um só
pastor, por Ele designado para apascentar os seus cordeiros e ovelhas.
“Haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10, 16).
Esse
novo Corpo, segundo as palavras de Cristo, não se tornaria manifesto
aos homens, até ao dia de Pentecostes, em que enviaria o seu Espírito de
Verdade. “Se eu não for, ele não virá a vós” (Jo 16, 7). Tudo,
pois, que começasse a formar-se até vinte e quatro horas depois de
Pentecostes, ou vinte e quatro horas antes, seria uma organização; poderia, talvez, ter um espírito humano, mas não teria o Espírito Divino.
A
observação mais importante acerca do seu Corpo foi que seria odiado
pelo mundo, como Ele. O mundo ama tudo o que é mundano, mas odeia tudo o
que é divino. “Porque vos escolhi do meio do mundo, por isso o mundo
vos odeia” (Jo 15, 19).
O núcleo deste novo Corpo Místico seriam os Apóstolos. Formariam a
matéria-prima. Enviar-lhes-ia o seu Espírito para os vivificar,
possibilitando-os tornarem-se o prolongamento da sua Pessoa. Eles o
representariam, quando Ele partisse. Foi-lhes reservado o privilégio de
evangelizarem o mundo. Esse novo Corpo, de que eles eram o embrião, tornar-se-ia o seu “eu póstumo” e a sua personalidade prolongada através dos séculos.
Durante os cinquenta dias em entre a Ressurreição e a vinda do
Espírito Santo, os Apóstolos assemelhavam-se a elementos num laboratório
químico. A ciência conhece cem por cento dos elementos químicos que
entram na constituição de um corpo humano; mas é incapaz de produzir um
único ser humano, por sua inabilidade em prover o princípio unificador, a
alma. Os Apóstolos não podiam dar vida divina à Igreja, do mesmo modo que os químicos não podem produzir a vida humana. Careciam do Divino Espírito invisível de Deus, para unificar as suas naturezas humanas visíveis. Efetivamente, dez dias depois da Ascensão, o Salvador glorificado no Céu enviou-lhes o seu Espírito, não em forma de livro, mas em línguas de fogo vivo.
Como as células de um corpo formam uma nova vida humana no momento em
que Deus insufla a alma no embrião, assim os Apóstolos apareceram como o
Corpo visível de Cristo, no momento em que o Espírito Santo veio para
os tornar um. Este Corpo Místico, a Igreja, é denominado na tradição e
na Escritura o “Cristo total”, ou a “plenitude de Cristo”.
O novo Corpo de Cristo apareceu então publicamente, à vista dos
homens. Assim como o Filho de Deus se revestiu da natureza humana no
ventre de Maria, sob a sombra protetora do Espírito Santo, assim, em
Pentecostes, Ele tomou um Corpo Místico, no ventre da humanidade, sob a
sombra protetora do Espírito Santo. E assim como antes ensinou, governou
e santificou por meio da sua natureza humana, assim agora continua a ensinar, governar e santificar por meio de outras naturezas humanas unidas no seu Corpo, a Igreja.
Como, porém, este Corpo não é físico como o homem, nem moral como um
clube de recreio, mas celeste e espiritual por causa do Espírito que o
torna um, chama-se Corpo Místico. E assim como o corpo humano é
constituído de milhões e milhões de células e, contudo, é um só porque
vivificado por uma só alma, dirigido por uma cabeça visível e governado
por uma mente invisível, assim este Corpo de Cristo, apesar de formado
de milhões e milhões de pessoas incorporadas em Cristo pelo batismo, é
uno, porque vivificado pelo Espírito Santo de Deus, dirigido por uma cabeça visível e governado por uma Mente invisível, ou Cabeça, que é Cristo Ressuscitado.
O Corpo Místico é a Pessoa de Cristo prolongada. São Paulo chegou à
compreensão desta verdade. De todos os que viveram até agora, talvez
ninguém odiasse tanto a Cristo como Saulo. Os primeiros membros do Corpo
Místico de Cristo pediam a Deus que enviasse alguém para refutá-lo. Deus ouviu a sua oração e enviou Paulo para responder a Saulo.
Um dia, esse perseguidor, exalando ódio, pôs-se a caminho de Damasco
para prender os membros do Corpo Místico de Cristo dessa cidade e
conduzi-los a Jerusalém. Tinham decorrido poucos anos apenas, desde a
Ascensão do Divino Salvador, então glorificado no Céu. Subitamente,
Saulo viu-se cercado por uma grande luz e caiu por terra. Foi despertado
por uma voz, semelhante ao bramido do mar, que dizia: “Saulo, Saulo,
por que me persegues?” (At 9, 4).
O nada ousou perguntar o nome da Onipotência: “Quem és tu, Senhor?”. E a voz respondeu: “Eu sou Jesus a quem tu persegues” (At 9, 5).
Como era possível Saulo perseguir a Nosso Senhor, que estava glorificado no Céu? Por que dizia a voz do Céu: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Se alguém tropeçasse num móvel, não se queixaria a cabeça, uma vez que o pé faz parte do corpo?
Assim, dizia agora o Senhor, ao ferir o seu Corpo, Paulo estava ferindo
a Ele. Ao ser perseguido o Corpo de Cristo, era Cristo, Cabeça
invisível, que se levantava para falar e protestar. O Corpo Místico de
Cristo, portanto, não está entre Cristo e o indivíduo, do mesmo modo que
o seu Corpo físico não esteve entre Madalena e o perdão que lhe
concedeu, ou a sua mão entre as crianças e a bênção que lhes deitou. Foi
por meio do seu Corpo humano que Ele veio aos homens em sua vida
individual; é por meio de seu Corpo Místico, ou de sua Igreja, que Ele vem aos homens em sua vida mística incorporada.
Cristo está vivo agora! Ele continua agora a ensinar, a governar, a santificar — como fez na Judeia e na Galileia.
O seu Corpo Místico, a Igreja, existiu por todo o Império Romano antes que um único dos Evangelhos fosse escrito.
Foi o Novo Testamento que veio da Igreja, e não a Igreja que veio do
Novo Testamento. Este Corpo possuía os quatro sinais distintivos da
vida:
tinha unidade, porque vivificado por uma só Alma, um só
Espírito, dom do Pentecostes. E se a unidade em doutrina e autoridade é
a força centrípeta que torna a vida da Igreja una,
a catolicidade é a força centrífuga que a habilita a expandir-se e a absorver a humanidade remida, sem distinção de raça ou cor.
A terceira nota da Igreja é a santidade,
que lhe assegura duração, contanto que se conserve sã, pura e livre da
peste da heresia e do cisma. Esta santidade não está em cada membro,
mas, antes, na Igreja inteira. E porque a alma da Igreja é o Espírito Santo, será Ele o instrumento divino da santificação das almas.
A luz do sol não se polui quando os raios atravessam uma janela suja;
do mesmo modo, os sacramentos não perdem a sua eficácia santificadora,
mesmo quando os instrumentos humanos desses sacramentos se encontram
manchados.
Finalmente, temos a obra da apostolicidade. Em biologia, omne vivum ex vivo, ou “toda vida vem da vida”. Assim, também, o Corpo Místico de Cristo é apostólico, porque historicamente está enraizado em Cristo, e não em um homem separado dele pelos séculos.
Foi por isso que a Igreja nascente se reuniu para eleger um sucessor de
Judas, testemunha da Ressurreição e companheiro dos Apóstolos. “Há
homens que nos acompanharam durante todo o tempo em que o Senhor Jesus
viveu no meio de nós, começando desde o batismo de João até ao tempo em
que Jesus se apartou de nós. Agora, é preciso que um deles se junte a
nós para ser testemunha da sua Ressurreição” (At 1, 21-22).
Assim, Cristo, que se “esvaziou” a si mesmo na Encarnação, teve agora a sua “plenitude” no Pentecostes. A kenosis, ou humilhação, é uma das facetas da sua Pessoa; o pleroma,
ou a continuação de sua vida, na sua Noiva, Esposa, em seu Corpo
Místico, a Igreja, é outra. Assim como o desaparecimento da luz e do
calor do sol faz a terra gritar pela sua energia radiante, assim o
abatimento do amor de Cristo encontra o seu complemento no que São Paulo
chama a sua “plenitude” — a Igreja.
Muita gente julga que acreditaria em Cristo, se tivesse vivido no seu
tempo. Mas a verdade é que isso não lhes traria grande vantagem. Aqueles
que agora não o reconhecem como divino, vivo no seu Corpo Místico,
também não o reconheceriam como divino, vivo no seu Corpo físico.
Se há escândalos nas células do seu Corpo Místico, também houve
escândalos no seu Corpo físico; num e noutro caso, sobressai de tal modo
o humano, que em momentos de fraqueza ou Crucifixão, é necessária uma
força moral para descobrir a Divindade.
Nos tempos da Galileia, era necessária uma fé apoiada em motivos de
credibilidade para acreditar no Reino que Ele vinha estabelecer, ou no
seu Corpo Místico, através do qual Ele santificaria os homens por seu
Espírito, depois da Crucificação. Hoje, requer-se uma fé apoiada nos
mesmos motivos de credibilidade, para acreditar na Cabeça, ou Cristo
invisível, o qual governa, ensina e santifica por meio da sua Cabeça
visível e do seu Corpo, a Igreja. Num e noutro caso, é preciso
“levantar-se”. Nosso Senhor disse a Nicodemos que, para remir os homens,
tinha de ser “levantado” na Cruz; para santificar os homens no
Espírito, teve de “elevar-se” ao Céu na Ascensão.
Pecados, escândalos e a santidade da Igreja Imaculada
Cristo continua, pois, a andar pelo mundo, no seu Corpo Místico, como andava outrora no seu Corpo físico.
O Evangelho foi a pré-história da Igreja, como a Igreja é a
pós-história do Evangelho. Continuam a ser-lhe negadas as estalagens,
como em Belém; novos Herodes, com nomes soviéticos e chineses, perseguem-no com a espada; surgem outros Satãs, tentando desviá-lo do caminho da Cruz e da mortificação, pelos atalhos da popularidade; oferecem-lhe Domingos de Ramos de grandes triunfos, mas só como prelúdios de Sextas-feiras Santas;
atiram contra Ele novas acusações (e não raro pelas pessoas religiosas,
como no seu tempo) — que é inimigo de César, antipatriota, pervertedor
da nação; de fora é apedrejado, de dentro atacado por falsos irmãos; não faltam sequer os Judas escolhidos para Apóstolos, que o atraiçoam e o entregam ao inimigo;
alguns dos discípulos que se gloriavam do seu nome já abandonaram a sua
companhia, porque — como fizeram os seus antecessores — acham que a sua
doutrina, particularmente no que diz respeito ao Pão da Vida, é “dura”.
Mas, por que não há morte sem Ressurreição, o seu Corpo Místico terá, no decurso da história, mil mortes e mil Ressurreições.
Os sinos dobrarão continuamente pela sua execução, mas a execução será
eternamente adiada. Virá, finalmente, o dia em que se levantará uma
perseguição universal contra o seu Corpo Místico, e será levado à morte
como foi antes, “padecendo sob Pôncio Pilatos”, padecendo sob o poder onipotente do Estado.
Mas, no fim, cumprir-se-á tudo o que estava predito de Abraão e
Jerusalém, na sua perfeição espiritual, quando Ele for glorificado no
seu Corpo Místico, como foi glorificado no seu Corpo físico. Foi assim
que João Apóstolo o descreveu:
“Vem comigo”, disse ele, “e eu te mostrarei a esposa cujo
esposo é o Cordeiro”. E ele transportou-me em espírito a uma grande
montanha e me mostrou a Cidade Santa de Jerusalém que descia do Céu da
presença de Deus, revestida da glória de Deus.
A luz que brilhava
sobre ela era semelhante a uma pedra preciosa, ao jaspe quando se
parece com o cristal; e estava rodeada por muro grande e alto, com doze
portas, e nas portas, doze anjos, e com uns nomes gravados que são os
nomes das doze tribos de Israel, três destas portas estavam a oriente,
três ao norte, três ao sul e três a ocidente. E não vi templo algum
nela, porque o Senhor Todo Poderoso e o Cordeiro são o templo. E a cidade não precisa de sol, ou lua para a iluminar, porque a glória de Deus brilha sobre ela e sua lâmpada é o Cordeiro.
E
as nações caminharão à sua luz, e os reis da terra lhe trarão o seu
tributo de louvor e honra, e as portas não se fecharão jamais (não
haverá nela noite). As nações entrarão nela com honra e louvor… Assim
seja. Vem, Senhor Jesus. A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo seja com
todos vós. Amém. (Ap 21, 9-14; 22-26; 22, 20-21)
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