Crônicas de um Estado laico
Intolerância religiosa
Decoração
de Natal na cidade nigeriana de Ibadan, uma semana antes dos ataques
islâmicos contra cristãos no Natal.| Foto: Samuel Alabi/EFE/EPA
Há uma crença equivocada segundo a qual apenas minorias podem ser alvo de perseguição, uma lógica que desconsidera a perseguição religiosa, especialmente contra cristãos, um povo pacífico por sua própria teologia. Além da perseguição educada que atinge os cristãos, como o cancelamento e a mordaça, tão presentes atualmente no Brasil e denunciadas nesta coluna, ocorrem também lamentáveis episódios de perseguição extrema em diversas partes do mundo, destacando-se o caso da Nigéria.
A perseguição religiosa extrema na Nigéria tem crescido ano após ano, enquanto entidades internacionais permanecem indiferentes e o mainstream faz questão de esconder tudo.
Com uma população de pouco mais de 200 milhões – semelhante, portanto, à do Brasil – dos quais 100,5 milhões são cristãos, a
Nigéria subiu da nona para a sexta posição na lista dos 50 países onde
os cristãos enfrentam maior perseguição nos últimos dois anos, de acordo com os dados fornecidos pelo Portas Abertas.
No
mais recente capítulo dessa tragédia, ocorrido durante as celebrações
natalinas entre os dias 23 e 25 de dezembro, grupos islâmicos atacaram
pelo menos 20 aldeias cristãs no estado de Plateau.
Enquanto o mundo celebrava o nascimento de Jesus Cristo, nossos irmãos nigerianos foram brutalmente massacrados por causa de sua fé. Segundo relatório da ONG nigeriana Intersociety, mais
de 40 mil cristãos foram mortos nos últimos anos por causa de sua fé,
enquanto 18,5 mil cristãos desapareceram permanentemente.
Além disso, 17,5 mil igrejas foram atacadas e 2 mil escolas cristãs foram destruídas.
Nesse contexto, 6 milhões de cristãos foram forçados a fugir do país, e 4 milhões são deslocados internos.
A perseguição religiosa extrema de islâmicos contra cristãos na Nigéria
tem crescido ano após ano, enquanto entidades internacionais permanecem
indiferentes e o mainstream faz questão de esconder tudo
Na situação ocorrida neste Natal, os relatos de cristãos residentes na Nigéria revelam que os ataques resultaram na morte de 160 pessoas e deixaram mais de 300 feridos, muitos dos quais foram encaminhados para tratamento em hospitais.
Entre
as vítimas, predominam mulheres, crianças e idosos, grupos vulneráveis
que enfrentam maiores dificuldades para escapar desses ataques brutais.
A
organização Portas Abertas aponta que a perseguição extrema enfrentada
pelos cristãos na Nigéria está relacionada a uma agenda organizada de
islamização forçada, que tem se intensificado ao longo dos anos. Desde a adoção da sharia, em
1999, essa islamização, utilizando meios tanto violentos quanto não
violentos, agravou-se, com ataques de grupos militantes islâmicos
aumentando desde 2015.
Boko Haram e ISWAP são alguns dos grupos liderando essas ações violentas, resultando em mortes, danos físicos, sequestros e violência sexual, impactando principalmente os cristãos.
Nos estados onde a sharia foi implementada, os cristãos enfrentam discriminação e exclusão, enquanto os convertidos enfrentam rejeição familiar e pressões para abandonar o cristianismo, muitas vezes acompanhadas de violência física.
O contexto à luz dos direitos humanos universais
Neste contexto, é imperativo recordar os princípios fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A perseguição religiosa, tanto extremada quanto educada, viola diretamente o artigo 18, que proclama o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.
No
mesmo artigo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
garante o direito de ter, manter e mudar de crença, bem como de
exercê-la, enquanto o artigo 12 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos traz a mesma garantia.
Em nossa obra Liberdade Religiosa:
-
fundamentos teóricos para proteção e exercício da crença, defendemos
que a liberdade religiosa ordena e estrutura o próprio sistema político
em que se encontra:
1.
garantindo o pluralismo de ideias emanado de um ecossistema variado de
crenças, fundamento de qualquer democracia plural e inclusiva;
2.
é um princípio de organização social e de configuração política, porque
contém uma ideia de Estado oriunda da cosmovisão e dos sistemas de
valores das confissões religiosas;
3.
potencializa o exercício e o gozo dos direitos civis e políticos. A
pessoa religiosa que possui os âmbitos de sua crença e o exercício
protegidos exerce os direitos civis e políticos com a tranquilidade de
que aquilo que é mais sagrado não será tolhido nem violado pelo Estado;
e
4.
é a pedra nodal do sistema de liberdades, visto que, se o ser humano
tem negado pelo Estado seu direito mais íntimo de crer e de exercer sua
crença, todas as outras liberdades serão prejudicadas, seja diretamente
pelo Estado, seja pela aniquilação da autonomia da vontade da pessoa
religiosa de exercê-los.
Assim, a defesa da liberdade religiosa é
um dos pilares fundamentais para quem pretende proteger a dignidade e
os direitos humanos. A liberdade religiosa é a base para a construção de
sociedades pluralistas e inclusivas, onde a diversidade de crenças não é
apenas tolerada, mas valorizada como um componente enriquecedor do
tecido social.
Situações
como a vivenciada pelos nigerianos devem ser enfrentadas pelas Nações
Unidas e por todas as entidades que atuam com direitos humanos, e devem
ser denunciadas pela mídia internacional – aliás, alguém viu alguma matéria de jornalões do eixo Rio-São Paulo sobre os ataques?
Reportagens sobre a necessidade de um olhar eficaz das Nações Unidas sobre a Faixa de Gaza são constantes, enquanto denúncias em face da política de apartheid contra
os cristãos na Nigéria e em outros países dominados pelo Islã, assim
como as perseguições que ocorrem em regimes totalitários como Coreia do
Norte e China, passam incólumes.
A União Nacional
das Igrejas e Pastores Evangélicos e o Instituto Brasileiro de Direito e
Religião (IBDR) emitiram importante nota denunciando esse lamentável
fato ocorrido na Nigéria, conclamando todos à oração pelos cristãos que
vivem em situações de perseguição extremada e “para que a comunidade
internacional, bem como o governo brasileiro, tenha uma posição firme
contra a perseguição religiosa ocorrida na Nigéria e em qualquer outro
país do mundo, adotando medidas eficazes para rechaçar qualquer
discriminação e perseguição aos cristãos e pessoas de qualquer religião
que querem apenas viver suas vidas em paz, seguindo suas doutrinas
religiosas e adorando a Deus”.
Diante dessa realidade, é urgente que a comunidade internacional se una em solidariedade e aja para proteger a liberdade religiosa,
promovendo um mundo onde a crença de cada um seja respeitada e
celebrada como um elemento vital da riqueza cultural da humanidade.
Os
autores dessa coluna reforçam seu compromisso em denunciar essas
atrocidades, clamar por justiça e promover a liberdade religiosa como um
direito humano fundamental.
Que
a luz da solidariedade ilumine o caminho daqueles que enfrentam a
escuridão da perseguição, e que a esperança prevaleça sobre a
intolerância, construindo um futuro em que todos possam viver e adorar
livremente, sem temer pela própria fé.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos
Thiago Rafael Vieira, colunista Gazeta do Povo
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