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quarta-feira, 3 de outubro de 2018
Os hipócritas que vão à Missa
É
comum ouvir, de católicos ditos “não praticantes”, que não vão à igreja
“porque está cheia de hipócritas”.Mas o que realmente se esconde por
trás dessa desculpa?
Foi há já algum tempo que uma pessoa, algo impertinente, disparou
contra mim, à queima-roupa, a razão da sua não prática religiosa: — Eu não vou à Missa porque está cheia de hipócritas!
Apesar de não ser um argumento propriamente original — na realidade,
nem sequer é um argumento — o tópico deu-me que pensar, sobretudo porque
é esgrimido, com frequência, pelos fervorosos “católicos não
praticantes” que, como é sabido, abundam. São, em geral, fiéis
descomprometidos, ou seja, pessoas batizadas que dispensam a prática religiosa coletiva, com a desculpa de que nem todos os praticantes são cristãos exemplares.
Alguns praticantes são, no sumário entendimento dos que não o são,
pessoas duplas, porque aparentam uma fé que, na realidade, não vivem,
enquanto outros há, como os ditos não praticantes, que mesmo não
cumprindo esses preceitos cultuais, são mais coerentes com a doutrina
cristã. A objeção faz algum sentido, na medida em que a vida cristã não se reduz, com efeito, a uns quantos exercícios piedosos.
Mas o cristianismo é doutrina e vida: é fé em ação, esperança viva e caridade operativa. Portanto, a prática comunitária é essencial à vida cristã e a praxe litúrgica, embora não seja suficiente, é-lhe necessária.
Assim sendo, mesmo que os praticantes não vivam cabalmente todas as
virtudes cristãs, pelo menos não descuram a comunhão eclesial, nem a
prática sacramental e a vida de oração. Deste modo, cumprem uma das mais
importantes exigências do seu compromisso batismal, ao contrário dos
não praticantes, não obstante a sua autoproclamada superioridade moral.
Os fiéis que não frequentam a igreja, à conta dos fariseus que por lá
há, deveriam também abster-se de frequentar qualquer local público,
porque provavelmente está mais pejado de hipócritas do que o espaço
eclesial. Estes novos puritanos deveriam também abster-se de ir aos
hospitais que, por regra, estão cheios de doentes, e às escolas, onde
pululam os ignorantes. É de supor que o único local digno da sua excelsa presença seja tão só o Céu,
onde não consta qualquer duplicidade, pecado, fraqueza, doença,
ignorância ou erro. Mas também não, ao que parece, nenhum católico não
praticante… Segundo a antropologia cristã, todos os homens, sem exceção, são
bons, mas nem todos praticam essa bondade. Um mentiroso não é uma pessoa
que não acredita na verdade, mas que não é sincero, ou seja, não
pratica a veracidade. Os ladrões são, em princípio, defensores da
propriedade privada, mas não a respeitam em relação aos bens alheios. Um
corrupto não o é porque descrê da honestidade, mas porque não a
pratica. Aliás, as prisões estão repletas de boa gente, cidadãos que
crêem nos mais altos e nobres valores éticos, mas que não os praticam.
Mas, não são farisaicos os cristãos que são assíduos nas rezas e nas
celebrações litúrgicas, mas depois não dão, na sua vida pessoal,
familiar e social, um bom testemunho da sua fé? Talvez. Só Deus sabe!
Mas, mesmo que o sejam, convenhamos que são uns ótimos hipócritas. Os hipócritas são bons quando sabem que o são e procuram emendar-se,
e são maus quando pensam que não o são, justificam-se a si próprios,
julgam e condenam os outros. Os crentes que participam assiduamente na
eucaristia dominical, sempre que o fazem recebem inúmeras graças e
reconhecem, publicamente, a sua condição de pecadores, de que se
penitenciam, com propósito de emenda. Mesmo que não logrem de imediato a
total conversão, esse seu bom desejo e a participação sincera na
celebração eucarística é já um grande passo no caminho da perfeição.
Foi por isso que, com alguma ironia e um sorriso de verdadeira
amizade, não pude deixar de responder àquele simpático “católico não
praticante”:
— Não se preocupe por a Missa estar cheia de hipócritas: há sempre lugar para mais um!
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