A renúncia de Bento XVI
provoca um terremoto e cria condições para se revigorar uma instituição vergada
sob o peso de escândalos
A
notícia da renúncia de Bento XVI ao papado assombrou o mundo: o último a
fazê-lo tinha sido Gregório XII, em 1415, há quase 600 anos. O motivo alegado
foi o envelhecimento do Pontífice que, aos 85 anos, já não teria o vigor físico
e espiritual para a tarefa de governar o Vaticano e comandar a Igreja Católica
em crise, com seus mais de 1 bilhão de seguidores.
A muitos que se recordam do
prolongado calvário de um João Paulo II doente no período final de seu longo
papado, o ato de Bento XVI pode ter parecido como de fraqueza e de fracasso.
Em sua última audiência
pública, ontem, ele explicou a decisão: “Senti que meus poderes foram
diminuindo. E pedi ao Senhor insistentemente, em oração, que me iluminasse
(...) para fazer-me tomar a decisão acertada, não para o meu bem, mas para o
bem da Igreja.” Sua trajetória à frente da Igreja, iniciada em 2005, teve,
afirmou, “momentos de alegria e luz, mas também momentos que não foram fáceis”,
quando parecia que “Deus estava dormindo.”A impressão inicial do Papa alemão disciplinador foi sendo substituída por uma de impotência diante das tempestades que assolam a barca de Pedro e das divisões de sua tripulação. A imagem do “rottweiler de Deus”, adquirida pelo cardeal Ratzinger como prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé (a antiga Inquisição), foi-se desidratando à medida que o Papa Bento XVI enfrentava a dura realidade terrena da Igreja Católica. Segundo o próprio jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano”, era “um pastor rodeado de lobos”.
Em artigo no “El Pais”, o escritor prêmio Nobel peruano Vargas Llosa disse ter tocado ao Papa alemão “um dos períodos mais difíceis dos mais de dois mil anos de História do cristianismo. A secularização da sociedade avança à grande velocidade (...), o que se agravou com os grandes escândalos de pedofilia (...), assim como as acusações de lavagem de dinheiro e corrupção que afetam o Banco do Vaticano. (...) Ninguém pode negar que Bento XVI respondeu a esses desafios com valentia e decisão, embora sem êxito.”
Aquele que hoje amanhece como Papa emérito não tem o perfil de gestor ou de administrador. Antes, no dizer de Vargas Llosa, “é um homem de biblioteca e de cátedra, de reflexão e de estudo, seguramente um dos Pontífices mais inteligentes e cultos que teve em toda a História a Igreja Católica.” Sem dúvida.
Este homem sofreu e tomou uma decisão corajosa para provocar um terremoto capaz de sacudir as estruturas distorcidas que se foram criando no Vaticano nos últimos tempos. Preferiu isso a permitir que uma longa senilidade do Papa servisse de estímulo ao agravamento da crise em que se destilam intrigas e se travam lutas pelo poder nada edificantes. O exemplo de Bento XVI precisa pairar sobre o conclave que escolherá seu substituto.
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