Senadores começam a dar corpo ao
texto de reforma, que pode alterar normas sobre temas sensíveis.
Resultado final deve ser menos permissivo do que a
proposta elaborada por juristas
O Senado
retoma nos próximos dias a discussão sobre um dos temas mais relevantes
para o país: a reforma do Código Penal. O relator do texto na Casa, Pedro
Taques (PDT-MT), deve apresentar seu voto aos integrantes da comissão
especial criada para analisar a matéria e iniciar uma nova etapa do
debate, que se estende desde 2011. E a elaboração do projeto passa por
discussões espinhosas, como a legalização do aborto e da eutanásia.
O novo
Código Penal foi discutido inicialmente por uma comissão de dezessete juristas,
designados
pelo então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), há dois anos. Os
especialistas elaboraram um anteprojeto que se tornou a base daquilo que a
comissão especial discutiria nos meses seguintes. Foi desse texto que Pedro
Taques partiu para elaborar a sua proposta de reforma. “Os juristas
apresentaram um texto e nós recebemos 550 emendas, de vários senadores. Muitas
delas foram consideradas, e eu fiz outras modificações. Mas quem decide é a
comissão”, diz Taques, que prefere não adiantar o conteúdo de seu
relatório. Depois que ele entregar seu texto aos colegas, será aberto novo
prazo para emendas. Da comissão especial, o projeto seguirá direto para o
plenário do Senado. De lá, quando aprovado, passará para a Câmara.
A ideia é
concluir a votação do projeto na comissão até novembro, para que o tema possa –
em tese – ser aprovado pelo plenário ainda neste ano. Assim, a bola passaria
para a Câmara dos Deputados. Apesar do sigilo, o texto vem sendo debatido
entre os membros da comissão, o que pode acelerar a votação do projeto: "O
Pedro Taques tem sido muito correto com a comissão e com a
presidência", diz Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente do colegiado.
O
anteprojeto elaborado pela comissão de juristas inclui a ampliação
dos casos em que o aborto é permitido, a legalização
da ortotanásia e a legalização do
cultivo e do porte de certas quantidades de droga. Mas o texto deve
sofrer inúmeras alterações, agora que os senadores assumiram a elaboração da
proposta. Do pré-projeto dos juristas, pouco deve restar já no relatório de
Pedro Taques. Um ponto muito criticado na proposta
original é a desproporção entre as punições previstas. O abandono
de animal, por exemplo, recebe pena de um a quatro anos de prisão. Omitir socorro a criança abandona ou a uma pessoa ferida é
tratado como um crime bem mais leve: a pena seria de um a seis meses.
Este é um dos trechos que sofrerão mudanças.
Aborto – No caso do aborto, a tendência
é que os senadores mantenham a proibição geral, com a exceção dos casos de
estupro e risco de vida para a mãe. Os parlamentares também podem acrescentar
a ocorrência de anencefalia como motivo para a realização de aborto, acompanhando
a decisão tomada no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia dos juristas era mais radical: liberar o
aborto sempre que a mãe não apresentasse "condições psicológicas" para
levar a gravidez adiante.
Outro
tema delicado é a eutanásia – interrupção da vida de um paciente em
estágio terminal. Embora trate a prática como um crime,
o projeto prevê uma pena bem menor do que a de homicídio (de dois a
quatro anos de prisão) e inclui uma exceção: "avaliando as
circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de
afeição do agente com a vítima". Os críticos
afirmam que a definição de eutanásia embutida no anteprojeto é tão genérica que
inclui mortes por arma de fogo – desde que "por compaixão".
Quanto à
ortotanásia – a
suspensão do tratamento médico em casos irreversíveis –, também há resistências. Parte dos senadores teme que a
permissão abra precedentes perigosos. Pelo texto dos juristas, basta a vontade
de um familiar e o consentimento de dois médicos para que uma pessoa
considerada irrecuperável possa ter o apoio artificial desligado.
Progressão
de pena – A proposta
em discussão também altera o cálculo da progressão de pena. A ideia geral é de que os
bandidos de menor periculosidade devem ficar fora dos presídios, ao mesmo tempo
em que os autores de crimes graves teriam o direito ao benefício restringido.
Mas a mudança no anteprojeto é pequena: hoje, por exemplo, um réu
primário que cometa crime hediondo tem direito à progressão após cumprir 40% da
pena. Pelo novo texto, a exigência sobe para 50%.
Os
juristas também propuseram mudanças na lei sobre drogas: o plantio e porte de
quantidades "para consumo próprio" não seria crime. Mais um ponto em que o Congresso
vai reescrever a proposta.
O
endurecimento geral nas penas, como defende boa parte da população, deve ficar de fora do novo Código Penal. “O
código atual foi feito pensando no criminoso. Precisamos entregar uma lei que
priorize a vítima”, queixa-se o senador Magno Malta (PR-ES), que integra a
comissão especial.
Por outro
lado, há um bom número de senadores que pretende ampliar a aplicação de penas
alternativas. "Dependendo do crime que o réu comete, ele vai
preso juntamente com bandidos perigosos e acaba fazendo uma pós-graduação em
criminalidade”, diz o senador Sérgio Souza (PMDB-PR), integrante da
comissão.
O líder
tucano no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), também é a favor do aumento das
penas alternativas no texto do Código Penal. "É preciso que presos
que não deveriam estar na cadeia possam, sem nenhum prejuízo para a sociedade,
ir para a rua", afirma o tucano, que também faz parte do colegiado.
Eduardo
Suplicy (PT-SP) concorda: quer que a Casa deixe nas ruas os presos de menor periculosidade:
"Existem estudos mostrando que a reincidência é menor entre os
condenados que cumprem penas alternativas", justifica.
Maioridade
– Parte
dos senadores também quer aproveitar a oportunidade para aumentar o rigor na
punição adolescentes infratores. O Código Penal não trata da maioridade
penal, mas a ideia dos parlamentares é apresentar um projeto separado,
alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para permitir que
reincidentes sejam tratados como maiores de 18 anos. A decisão caberia ao juiz da Vara da Infância e da Juventude.
"Quem cometer um crime hediondo não vai ficar impune por ter 17
anos; mas a proposta também contempla aqueles que acham que a regra da
maioridade deve ser mantida", diz o senador Eunício Oliveira. Ele
defende que a proposta sobre a maioridade tramite de forma conjunta com o texto
do novo Código Penal.
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