A casa no bairro de Cascadura, Rio de Janeiro, onde Gustavo Alves da Rocha  passou a infância ficava a cerca de 1 quilômetro de distância do local onde foi  erguido o primeiro templo da Igreja Universal do Reino de Deus, há 32 anos. A  vida de Gustavo e a de Edir Macedo, o líder da Universal, só se entrelaçaram,  porém, quando os dois cruzaram o Oceano Atlântico. Em 1996, Gustavo, aos 16  anos, morava com sua tia em Londres. O bispo Macedo acabara de abrir sua  primeira igreja na Inglaterra e precisava de um tecladista que animasse as  reuniões dominicais. O tempo livre e o talento musical de Gustavo se encontraram  com as ambições do bispo Macedo no número 232 da Seven Sisters Road, no bairro  londrino de Finsbury Park. Era lá que ficava a primeira igreja da Universal em  Londres, onde Gustavo foi empregado como tecladista.  
Três anos depois, Gustavo se tornou pastor da Universal em Nova York. Ele diz  que era responsável por contar e fazer o depósito do dízimo recolhido nos 26  templos da Universal em Nova York. Diz ter sido instruído a se casar com a  empregada doméstica do bispo Macedo, Jacira Aparecida da Silva, e conta que se  mudou para a casa de Macedo, nos Estados Unidos, onde morou por quase três anos.  Da sala da luxuosa casa do bispo, Gustavo afirma que assistia a Macedo  orquestrar por rádio a expansão dos templos da igreja e dos negócios de  comunicação, hoje alvos de investigação pelo Ministério Público. 
 Gustavo diz ter ouvido o bispo Macedo instruir seus bispos a trocar dólares  para ele em São Paulo, diz ter depositado dinheiro do dízimo em duas contas no  exterior, uma delas em nome de um pastor americano amigo de Macedo, conhecido  como Forrest Hills, e afirma que o dinheiro dos fiéis era usado para  investimentos na TV Record. “Em 2003, fizemos com os fiéis de Nova York uma  campanha para arrecadar US$ 1 milhão. Foi com esse dinheiro que a Record montou  o estúdio em Manhattan”, diz. As ligações de Gustavo com a igreja são  comprovadas por documentos como passaporte, contracheques e fotos. A TV Record  negou as acusações. 
 Em 2004, Gustavo foi demitido pelo bispo Macedo. Hoje, ele é considerado  pelos promotores uma testemunha importante nos processos abertos contra o  fundador da Universal. Seu depoimento poderá contribuir para confirmar as  suspeitas de estelionato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha que recaem  sobre o bispo Macedo e a cúpula da igreja e da Rede Record. Gustavo hoje  trabalha de madrugada como taxista em Balneário Camboriú, Santa Catarina. Mora  numa casa de quatro cômodos, alugada, que não guarda nenhuma semelhança com o  luxo e o conforto que Gustavo diz ter experimentado em Nova York. Não tem mais o  dinheiro que juntou enquanto era pastor. Desde que voltou ao Brasil, já morou em  mais de cinco cidades. Aos 29 anos, diz ter dificuldade para arrumar emprego e  afirma temer represálias de membros da Universal. Ele contou a história que  viveu na igreja num depoimento de cinco horas concedido a ÉPOCA. 
 “Edir Macedo nos ensinava a atingir as metas que  ele criava para cada igreja, e a meta era financeira. Não era de fiéis “
GUSTAVO ROCHA, ex-pastor da Universal.
Na foto, tirada em 2001, ele aparece  no altar de uma das igrejas que comandou em Nova York
Como conheceu o bispo Edir Macedo“Eu nasci no Rio de  Janeiro, mas quando tinha 12 anos fui morar com uma tia em Londres. Uma tarde eu  estava passeando com minha tia pelas ruas de Finsbury Park e vi um teatro.  Resolvemos entrar. Na porta estava escrito apenas Teatro Arco-Íris. Aí eu vi um  piano e, como sempre tive paixão pela música, pedi para tocar um pouco. Quem  veio até mim foi o Edir Macedo. Ele me pediu para que eu tocasse “Yesterday”,  dos Beatles. Ele elogiou e me perguntou: ‘Você sabe tocar música gospel?’. Eu  respondi que não, mas consegui acompanhar no piano quando ele colocou umas  músicas gospel para tocar no rádio. Ele disse que precisavam de um tecladista e  eu, que tinha 16 anos, aceitei tocar todos os domingos em troca de algo em torno  de R$ 50. Depois de uns quatro meses, minha tia procurou Edir Macedo para dizer  que eu voltaria ao Brasil. Daí Edir veio com uma proposta: ‘Não, a gente vai  ajudá-lo. Se você permitir, nós queremos investir nele. A igreja se propõe a  pagar uma escola para ele aqui na Inglaterra’. A igreja pagou para mim por dois  anos uma escola de idiomas, a London Capital College. Eu passei a morar na  igreja e não tinha salário.”  
A preparação para ser pastor
“Quando fui morar na  igreja, eu dividia um quarto com outros obreiros. Passei a tocar todos os dias,  fazia a limpeza do templo, a evangelização, distribuía jornal da igreja de porta  em porta. Eu não tinha dinheiro para ligar para minha família no Brasil, nem no  Natal. Fiquei praticamente confinado. Minha tia deixou de me visitar, achou que  eu estava fanático. Eles fizeram comigo um processo de preparação para ser um  futuro pastor. Quando chegava alguém à igreja para pedir um conselho, o bispo  Macedo me chamava: ‘Senta aqui do meu lado para você conhecer os problemas do  povo e aprender a orientar as pessoas’. Foram dois anos sentado ao lado dele.  Quando o fiel ia embora, ele perguntava: ‘Entendeu? Essa moça está com problema  financeiro e está tão fragilizada que, se você disser Faça isso!, ela vai fazer.  Você tem de despertar essa fé que está nela para que ela venha e traga uma  oferta para a igreja’. Oferta significava dinheiro, mas no começo ele não falava  muito a palavra ‘dinheiro’, para não me assustar. Dependia dele para ter roupas  e comida. Aqueles que eram bispos tinham muito privilégio. Queria ter a vida que  o bispo Macedo e outros bispos tinham, então eu me submetia a tudo o que  mandavam. Cheguei a fazer um jejum e só beber água durante sete dias. Nesses  dois anos não fui sequer uma vez ao médico. O bispo Macedo me dizia que eu tinha  de usar minha fé para curar a gripe, a dor de cabeça. Fazia parte do processo de  sacrifício.” 
 Como a Universal se expande
“Eu e Edir Macedo saíamos  pelo menos duas vezes por semana para procurar um teatro, um galpão onde desse  para abrir uma nova igreja. A gente olhava primeiro a vizinhança. Se tivesse  outra igreja na região, não valia a pena investir. E olhávamos se o povo era  pobre ou de classe média. Se a área fosse pobre, era mais interessante, a igreja  cresce mais. O bispo Macedo dizia que gente pobre tem todo tipo de problema.  Então, é fácil ter argumento para atrair essas pessoas. Se fosse um pessoal com  mais dinheiro, ele já pensava duas ou três vezes se valia a pena investir,  porque apenas uma minoria frequentaria a igreja. Quando o bairro era de classe  média, o pastor tinha de falar bom inglês e ter cultura, porque colocar um  pastor escandaloso, ignorante, não dava certo. Em Londres, presenciei a criação  de duas igrejas. Uma foi em Brixton e a outra em Peckham. Os cultos eram em  inglês, 2% ou 3% dos fiéis da igreja eram brasileiros, 2% ou 3 % eram  britânicos, e o restante eram africanos e jamaicanos. Havia uma preferência por  colocar um pastor negro, para que os fiéis se identificassem mais.” 
 A escala em Portugal e a promoção
“Depois de dois anos  na Universal em Londres, meu visto de estudante venceu e não conseguimos  renovar. Eu já estava com 18 anos. O bispo Macedo conversou comigo e disse que  Deus estava me enviando para Portugal. Fiquei lá um mês e meio, morando em  Lisboa, até que o bispo Macedo me avisou que ele iria me registrar como pastor  da Universal e em 15 dias eu estaria em Nova York. Ele disse que não me deixaria  em Portugal porque ele precisava de um pastor com bom inglês nos Estados Unidos.  No dia 13 de maio de 1999, eu cheguei a Nova York. Eu passei a tocar piano na  igreja principal, no Brooklyn. Depois de uns 15 dias, o bispo Macedo chegou a  Nova York e me disse que eu não deveria ficar só tocando, passaria a pregar. Foi  a primeira vez em que fui responsável por uma igreja, a igreja de Utica, no  Brooklyn. E, como eu era um pastor registrado pela Universal, passei a ter um  salário. Ganhava US$ 600 brutos por mês. Era pouco, mas não tinha despesa com  água, luz, aluguel porque eu morava na igreja.” 
 As metas e o método de arrecadação
“Em Utica, em dois  meses, a igreja encheu. Cabiam 70 pessoas. O bispo Macedo achou que tinha valido  a pena investir em mim. Comecei a fazer programas de TV e de rádio para a igreja  e a participar das reuniões de pastores e bispos. Nessas reuniões, Edir Macedo  nos ensinava a atingir as metas que ele criava para cada igreja. E a meta era  financeira. Não era de fiéis. No primeiro mês, a minha igreja rendeu US$ 3 mil.  Daí o bispo Macedo me falou: ‘Olha, Gustavo, este mês fez US$ 3 mil. Então, se  no mês que vem você conseguir arrecadar só US$ 2.900, eu tiro a igreja de você.  Você vai se virar para fazer US$ 3.500, senão eu vou descontar do seu salário,  você não vai mais participar das reuniões e vai voltar para o piano’.” 
 “Fiquei tranquilo porque eu já tinha aprendido o trabalho. Ele me ensinou o  seguinte: como era uma igreja pequena, primeiro eu tinha de fazer um atendimento  corpo a corpo, conversar com cada um dos membros da igreja, visitar a casa,  participar da vida. Eu levantava toda a vida da pessoa e determinava o dízimo. E  eu ia colocando isso na cabeça das pessoas. Elas chegavam para me contar alguma  coisa: ‘Pastor, fui viajar e bati meu carro’. Eu dizia: ‘A senhora está sendo  fiel no seu dízimo?’. Ela dizia que não. Então eu falava que era por isso que  ela tinha batido o carro. Óbvio que não tinha nada a ver, mas era uma questão de  mexer com o psicológico, para que ela pensasse que as coisas ruins aconteciam  por causa de um erro dela, e não por um erro da igreja ou um erro de Deus. Eu  tinha de fazer aquela pessoa acreditar que o dízimo dela era uma coisa sagrada.  Noventa e nove por cento das pessoas que vão à igreja, e isso eu ouvi do bispo  Macedo, não vão para adorar a Deus. Vão para pedir, porque têm problemas no  casamento, nas finanças, de saúde. Então o bispo falava: ‘Você chega para a  pessoa e diz: Você está com problema financeiro, não está? Eu sei, eu estou  vendo que sua vida financeira não está boa’. É muito fácil. Por serem pessoas  humildes, elas estão mais propensas a certos problemas.” 
 O sucesso
“As minhas metas sempre eram alcançadas. Edir  me dizia: ‘Agora a meta é US$ 4 mil’, eu fazia 4 mil. ‘Agora é US$ 5 mil’, eu  fazia US$ 5 mil. E, a cada mês que eu alcançava minha meta, eu ganhava mais  crédito, até o ponto de o bispo Macedo falar: ‘Você não é pastor para essa  igreja, você é pastor para uma igreja melhor. Vou te colocar numa igreja maior,  onde a meta já não é US$ 5 mil, a meta é US$ 30 mil’. Fiquei seis meses em Utica  e fui para a igreja de Bedford. Vinham umas 400 pessoas, e a meta mensal era de  US$ 25 mil. Alcancei todas as metas outra vez. Peguei a igreja com US$ 25 mil e  deixei com quase US$ 40 mil de doações mensais. Aprendi a extorquir o povo,  tenho até vergonha de falar. Uma vez coloquei uma piscina de plástico no altar  por 15 dias, cheia de água. Disse que aquela era uma água do Rio Jordão, onde  Jesus foi batizado. Eu dizia que as pessoas iam ser batizadas na mesma água que  Jesus, desde que dessem uma oferta. E era água de torneira. Uma vez consegui  fazer os fiéis doar três carros. Eles iam embora e me deixavam as chaves e o  documento. A igreja vendia para fazer dinheiro. Entre os pastores, a conversa  sempre era: ‘E aí, já pegou o mês?’. ‘Pegar o mês’ significava cumprir a meta.  Eu chegava para um pastor que tinha uma igreja melhor que a minha e perguntava:  ‘Já pegou o mês?’. ‘Já, fiz US$ 80 mil’, ele dizia. Eu respondia: ‘Olha, meu mês  está em US$ 50 mil, mas vou fazer uma loucura, vou passar o teu mês e vou pegar  tua igreja, hein?!’.” 
 As gratificações
“Quanto mais eu ganhava para a igreja,  mais privilégios eu tinha. O meu pior carro foi um Toyota Corolla, era o  primeiro carro de todo pastor. Do Corolla, passei para um Ford Focus,  zero-quilômetro. Do Focus, tive um Honda Civic, do ano. Do Civic, fui para um  Honda Accord. Nos Estados Unidos, morei em três casas diferentes. Conforme  cumpria a meta, as casas aumentavam de tamanho, melhoravam de localização. O  bispo Macedo pegava o relatório do mês, via a progressão de rendimentos e te  perguntava: ‘Você está morando onde? E vai para a igreja com que carro? Faz o  seguinte: fala com o bispo responsável para ele te mudar para tal casa’. Ele  olhava em uma relação de pastores os bens que cada um estava usando e dizia:  ‘Esse carro aí que você tem, dê para o pastor Álvaro e pega o carro do pastor  Álvaro para você’. Era frequente essa troca de carros e casas entre os pastores.  Como a gente não podia comprar mobília nem bens, só coisas pessoais, roupas, a  mudança era bem rápida. Pastor não pode ter nada em seu nome, todos os carros  que eu tive e casas em que morei estavam no nome da Universal.” 
 O casamento arranjado
“Em 2001, eu tinha 21 anos, era um  pastor promissor e ainda era solteiro. Namorava havia dois anos uma americana  que era obreira da igreja. Houve uma dessas reuniões de bispos e pastores e o  Edir Macedo estava chamando a atenção de todo mundo. Ele olhou para mim: ‘Fica  de pé. Você está namorando?’. Eu disse que sim. ‘Mas quem autorizou seu namoro?  Está tudo errado. Você vai pegar o meu celular e vai ligar para sua namorada.  Você vai dizer para ela que Deus não quer mais que vocês fiquem juntos.’ Eu  fiquei indeciso, mas não teve jeito. Peguei o telefone, liguei para minha  namorada no viva-voz e rompi com ela. Quando desliguei, ele disse para os  pastores: ‘Estão vendo? A obra de Deus precisa de homens assim. Por você ter  obedecido, vai ser abençoado agora. Você vai para o Brasil e vai conhecer uma  mulher que Deus preparou para você. E você vai casar com ela. Você é um pastor  da minha confiança, mas nela eu confio ainda mais do que em você, porque ela  mora na minha casa, ela é minha empregada doméstica’. Embarquei para o Brasil no  dia seguinte. Só conheci a Jacira no cartório. Dois dias depois, a gente casou  no religioso. O bispo João Batista (ex-deputado federal) fez o  casamento e pagou a lua de mel em Poços de Caldas (Minas Gerais). No  dia em que partimos para a lua de mel, ele disse: ‘Gasta à vontade, porque quem  está pagando isso é o povo. Não tem limite, fica tranquilo’.” 
 “Depois que voltei da lua de mel, passamos 15 dias na casa do João Batista,  até que o visto da Jacira saísse. Era um apartamento por andar, com oito  quartos. O João Batista guardava uma boa quantidade de dinheiro no escritório,  notas de dólar e real. A Jacira me disse que estava acostumada a ver aquilo na  casa dos bispos. Quando voltei aos Estados Unidos levando a Jacira, o bispo  Macedo me disse: ‘Que bom que deu tudo certo. O visto dela já tinha sido negado  antes, mas você conseguiu trazê-la’. O casamento garantiu a entrada da empregada  doméstica dele nos Estados Unidos.”
A vasectomia
“Logo depois que eu casei, o bispo Macedo  me obrigou a fazer vasectomia. Ele justificava dizendo que um filho traria  despesas e dificuldades para que eu fizesse a obra de Deus, já que com filho era  mais difícil mudar de país. Ele dizia que a saída era, quando eu me tornasse um  bispo, adotar, seguir o exemplo dele, dos genros dele, Renato Cardoso e Júlio  Freitas. Os três primeiros médicos que procurei se recusaram a me operar. Eu  tinha 21 anos e nenhum filho. O quarto topou, mas me disse que não recomendava.  Fiz uma vasectomia irreversível. Enquanto eu estava nos Estados Unidos, dos 26  pastores que trabalhavam em Nova York, outros sete também fizeram. Se você não  faz a vasectomia, perde a chance de crescer e chegar a bispo, vai ser só mais um  pastor que fica 15 anos na mesma igreja e não sai do lugar.” 
 Na casa do bispo
“Quando cheguei a Nova York com a  Jacira, Edir Macedo e a mulher dele, a Ester, quiseram que ela fosse morar com  eles. Eu era casado com ela. Daí eles me disseram: ‘Faz o seguinte. Pega um  quarto aí e mora aqui com a gente’. Passei a morar no dúplex do Edir Macedo. Na  casa dele, ouvi as conversas da cúpula da igreja. Era comum diálogos em que o  bispo Macedo dizia: ‘Romualdo, como é que foi a campanha da Fogueira Santa aí no  Brasil?’. E o bispo Romualdo Panceiro (outro dos auxiliares de confiança do  bispo Macedo) dizia: ‘Olha, bispo, não foi muito boa não, deu só R$ 18  milhões’. Dinheiro na casa de Edir Macedo não era problema. Dirigia os carros  dele, umas Mercedes antigas e superluxuosas. No dia a dia, ele não é religioso.  A mulher de Edir Macedo, a Ester, tinha dentro de casa uma clínica de estética,  com aparelhos de última geração. Quanto se gastava na casa do bispo Macedo era  uma coisa que nem se fazia um cálculo, porque não precisava. Os outros bispos  também viviam muito bem. Como os pastores, eles também tinham um contracheque  bem baixo, mas era só fachada, para mostrar em caso de investigação. Mas o  salário que vinha por fora era muito maior. Eu já presenciei durante a contagem  da oferta os bispos dividirem o dinheiro entre si, esse ou aquele bispo tirar  US$ 10 mil de uma oferta de US$ 50 mil. Eu também ganhava coisa por fora. Quando  trabalhei com alguns bispos e a oferta era muito boa, o próprio bispo dizia para  eu pegar um dinheiro para mim. Quando saí da igreja, eu tinha uns US$ 15 mil na  conta que eu tinha tirado das doações dos fiéis.” 
 Os negócios da Record
“Eu posso dizer que a Record e a  Universal são uma coisa só. Era comum eu ouvir o bispo Macedo falando em casa  com o presidente da Record, Honorilton Gonçalves, pelo radinho: ‘Ô, Gonçalves,  você fez aquele depósito, contratou tal artista, tal jornalista?’. Para pagar  funcionários, despesas de programas televisivos, o Edir Macedo pedia para o  Romualdo Panceiro tirar o dinheiro da conta da igreja para passar para a conta  da Record. De tempos em tempos, o Gonçalves e o Romualdo diziam: ‘Edir, o  negócio aqui está complicado, o cerco está bem apertado. A investigação está  andando aqui, eles estão fiscalizando’. O Edir dizia: ‘Vocês têm de fazer alguma  coisa, tira o dinheiro da conta da igreja e faz a contratação em dinheiro vivo’.  Sempre em dinheiro vivo. Eu me lembro de quando foi montado o estúdio da Record  em Nova York, em 2003. O bispo Macedo diz que foi gasto US$ 1 milhão. Ele fez  uma reunião com os pastores da igreja e disse: ‘Precisamos levantar US$ 1  milhão. Vamos fazer uma campanha, e todas as igrejas precisam atingir uma meta’.  Daí, ele já dividiu ali quanto cada uma teria de obter. Era a campanha das  Muralhas de Jericó. Conseguimos mais de US$ 1 milhão, e foi com esse dinheiro  que comprou os equipamentos para a TV.” 
 As contas no exterior
“Todo domingo à noite eu e alguns  outros pastores éramos responsáveis por abrir os envelopes de dízimo e oferta e  contar o dinheiro arrecadado pelas 26 igrejas de Nova York. Cada pastor guardava  no cofre de sua igreja a oferta da segunda-feira até a última reunião do  domingo. Daí levava tudo até a sede, no Brooklyn, para a contagem. Na  segunda-feira de manhã, nós íamos ao banco fazer o depósito desse valor. O banco  era o Chase Manhattan Bank. A matriz ficava a 300 metros da igreja. A quantia  variava. Quando tinha uma campanha da Fogueira Santa de Israel, eu depositava  tranquilamente US$ 1 milhão nesse banco por semana. Os depósitos eram feitos em  duas contas. Uma no nome da Igreja Universal e a outra no nome de Forrest  Higginbotham, um pastor americano que todo mundo conhecia como Forrest Hills.  Ele pertencia a outra igreja, mas era uma pessoa de confiança do Edir Macedo.  Foi o Forrest Hills quem ajudou a Universal a entrar nos Estados Unidos.” 
 “Lá nos Estados Unidos, eu também ouvi o Edir Macedo comentar umas quatro ou  cinco vezes da necessidade de trocar dólares no Brasil, em São Paulo. Mas era  uma tarefa que ele mesmo fazia ou passava para gente de muita confiança dele.  Eles embarcavam no avião com o dinheiro e trocavam. Nunca soube quem eram os  doleiros, mas posso te falar que os bispos que faziam esse serviço para ele eram  os genros, o bispo Júlio Freitas, o bispo Renato Cardoso, o bispo Clodomir  Santos e o bispo Romualdo Panceiro. Toda vez que eu ouvia falar em troca de  dólar, era com esses bispos e o João Batista. O João Batista era com a maior  frequência. O João Batista era, na gíria, a mula. Era ele quem levava, que  trazia no avião, que fazia a transação, a troca. E, depois que ele fazia, ele  levava nas mãos do Romualdo, do Clodomir. E com esses mesmos bispos, de  altíssima confiança, o Edir costuma fazer umas reuniões na Suíça, em Zurique.”  
 A derrocada
“Uns quatro meses depois de fazer a  vasectomia, comecei a ter problemas com a cirurgia. Descobri que o médico que me  operou acabou cortando uma veia que não deveria ter sido cortada. Tive uma  espécie de trombose nos testículos. Tive de usar um dreno e fui afastado pelo  médico da pregação, mas o bispo Macedo me mandava trabalhar mesmo assim, usar a  fé para me curar. Tive de fazer mais três cirurgias. O bispo Macedo dizia que eu  devia estar endiabrado, que eu estava recebendo salário da igreja para não fazer  nada. A pressão para que eu voltasse a trabalhar era tanta que tive de mostrar  ao bispo Macedo todos os papéis, exames, porque ele não acreditava que eu  realmente estava doente. Quando ele viu os laudos médicos, notou que tinha  havido um erro. Foi logo me dizendo que um processo daria uma indenização  milionária.”
“Procurei um advogado, que me disse que era uma causa ganha e que o processo  duraria um ano e meio e deveria render por volta de US$ 500 mil. Quando o Edir  soube que eu procurei outro advogado e não o da igreja, ele ficou bravo. Disse  que eu tinha de procurar o advogado da Universal para abrir o processo e que  deveria passar uma procuração para ele, porque o dinheiro que viesse deveria ser  dado para a igreja, para a obra de Deus. Eu me recusei, disse que precisaria do  dinheiro, que teria de me tratar. E aí começou uma pressão, e eu resolvi  desistir do processo e fazer um acordo de US$ 65 mil com o médico. No mesmo dia  em que assinei o acordo, o dinheiro já estava na minha conta. Quando contei ao  bispo Macedo, ele começou a gritar comigo, dizer que eu era maluco, perguntou  onde estava o dinheiro. Eu disse que estava na minha conta. Ele me mandou ir ao  banco na mesma hora, sacar o dinheiro e depositar na conta da igreja. Eu me  recusei. E aí ele me disse que eu estava fora: ‘A partir de hoje, você não é  mais pastor da Igreja Universal. Você vai embora para o Brasil e não procure  mais a igreja’. Isso foi em julho de 2004. E eu, doente, com quatro cirurgias  feitas, fui mandado embora sem receber um dólar da igreja, depois de cinco anos  de trabalho na igreja. Nunca tive férias, não tinha dia de folga certo. Eu me  senti usado.” 
 “Voltei para o Brasil, me separei da Jacira um ano depois. Eu sofri por ter  entrado na igreja muito jovem, abandonei a família, não terminei os estudos. Eu  não tinha amigos que não fossem pastores ou bispos, não sabia o que era lutar  por um emprego, não sabia quanto era um aluguel. Perdi tudo. Eu sempre me lembro  da frase que o bispo Macedo costumava me falar: ‘Se você sair da igreja um dia,  todos esses demônios que você expulsou nestes anos vão voltar para sua vida’.”  
 “Fizemos uma campanha com os fiéis para arrecadar  US$ 1 milhão. Com o dinheiro, a Record montou o estúdio em Manhattan”  
GUSTAVO ROCHA, ex-pastor da Universal
Fonte: Revista ÉPOCA