Vozes - Marcio Antonio Campos
Dom
Bruno Elizeu Versari, bispo de Campo Mourão (PR) e presidente da
Comissão Episcopal para a Vida e a Família da CNBB, assina carta pedindo
a todos os bispos que convoquem orações pela rejeição da ADPF 442.|
Foto: Victória Holzbach/CNBB
A ADPF 442 vem aí. Pode não ser hoje nem amanhã, mas virá logo. Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal e relatora da ação não pautou a ADPF ano passado para não dar munição aos conservadores no período eleitoral, mas agora é diferente.
Como
em outubro ela chega aos 75 anos e se aposenta compulsoriamente, deve
colocar o tema na pauta do plenário da corte antes que ela deixe o STF,
para que assim o seu voto fique registrado.
Rosa Weber é um dos três votos certos em favor da ADPF, ao lado de Luís Roberto Barroso (que assume a presidência do Supremo em outubro) e Edson Fachin – o trio já deixou isso claro quando sequestrou o julgamento de um habeas corpus para médicos e funcionários de uma clínica de aborto. Cármen Lúcia provavelmente também será favorável, a julgar pelo teor de uma carta que assinou no início de 2022. Hoje, eu diria que o único voto garantido em defesa do nascituro seria o de André Mendonça, já que Ricardo Lewandowski se aposentou – deixando de lado todo o resto da sua lamentável obra no STF em defesa dos corruptos, temos de admitir que Lewandowski deu muitos bons votos em defesa da vida e da família, e foi um dos dois únicos ministros contrários à liberação do aborto de anencéfalos em 2012.
Um julgamento que parte de um provável 4 a 1 contra a vida já começa bem difícil.
Por isso a CNBB quer que todo o país se una em oração para que a ADPF 442 seja derrotada no Supremo.
Nesta terça-feira, uma
carta enviada a todos os bispos do Brasil, mas endereçada também às
lideranças de Pastoral Familiar e às equipes de liturgia, faz um pedido
para as missas deste segundo domingo de agosto, início da Semana Nacional da Família e dia dos pais. A CNBB propõe que, nas orações dos fiéis, após a profissão de fé, que seja incluída uma invocação pela rejeição da ADPF 442; e que, antes da bênção final, seja rezada a Oração do Nascituro.
Aqui, a Oração do Nascituro e a sugestão para a invocação no momento das preces:
"Nós vos louvamos, Senhor Deus da Vida; bendito
sejais, porque nos criaste por amor; vossas mãos nos moldaram desde o
ventre materno"
Oração do Nascituro
Nós vos louvamos, Senhor Deus da Vida.
Bendito sejais, porque nos criaste por amor.
Vossas mãos nos moldaram desde o ventre materno.
Nós vos agradecemos pelos nossos pais
e todas as pessoas que cuidam da vida
desde o seu início, até o fim.
Em Vós somos, vivemos e existimos.
Abençoai todos que zelam pela vida humana e a promovem.
Abençoai as gestantes e todos os profissionais da saúde.
Dai às pessoas e às famílias o pão de cada dia,
a luz da fé e do amor fraterno.
Nossa Senhora Aparecida,
intercedei por nossos nascituros,
nossas crianças, nossos jovens,
nossos adultos e nossos idosos,
para que tenham vida plena em Jesus,
que ofereceu sua vida em favor de todos.
Amém!
A carta é um pedido, ou seja, não obriga os bispos a nada, mas
quero muito acreditar que nenhum dos bispos brasileiros seria capaz de
recusar algo tão simples e ao mesmo tempo tão essencial.
Que neste próximo fim de semana cheguem a Deus as preces de um país inteiro unido em favor da vida humana, porque, como diz a carta, “estamos em uma situação que requer muita atenção e oração”.
“Mas é só isso?”
Espero
que nenhum católico tenha feito essa pergunta – se tiver, bem, eu diria
que esse leitor ainda precisa aprender uma ou duas coisinhas básicas
sobre a sua fé, por exemplo sobre como um convento de freiras de
clausura faz muito mais pela Igreja e pelo mundo que uma dúzia de gente
bem “zelosa” xingando muito no Instagram.
Mas a resposta é “não,
não é ‘só’ isso”. A CNBB já participou das audiências públicas que Rosa
Weber convocou para discutir sobre a ADPF.
Sim, ela foi muito desonesta
quando:
- 1. chamou muito mais participantes favoráveis que contrários à
legalização e
- 2. convocou quase que apenas entidades religiosas para
defender o nascituro, um truque para deixar subentendido que a posição
pró-vida era uma convicção religiosa, e não ético-filosófica, com
fundamento científico (aliás, leia nosso magnífico especial repleto de
argumentos pelos quais seria absurdo o STF legalizar o aborto).
Mas nem
por isso a CNBB deixaria de aproveitar a chance de fazer sua voz ser
ouvida, certo?
O site da conferência está repleto de manifestações, seja
da direção nacional da entidade, seja de regionais, seja de bispos
individualmente, contrárias à ADPF 442. Nesta quinta-feira, dia 10, dom
Ricardo Hoepers, secretário-geral da CNBB, participa de um seminário
sobre o tema na Câmara dos Deputados. E estou certo de que deve haver
outras movimentações de bastidores às quais não temos acesso.
Pior que uma Igreja que não se ajoelha é uma Igreja que não deixa ajoelhar
Falando
em xingar muito no Instagram, o leitor provavelmente já viu as imagens,
ou ao menos ficou sabendo do caso em que dom Joaquim Mol, bispo
auxiliar de Belo Horizonte, negou a comunhão a uma jovem que quis
receber a Eucaristia de joelhos na missa em que ela foi crismada. No
início houve uma confusão sobre quando é que isso teria acontecido, mas
depois o próprio bispo publicou uma explicação e ficamos sabendo que o
episódio ocorreu neste último domingo, dia 6.
“Na Igreja há
espaço para todos”, disse o papa Francisco em Lisboa. Pois que também
não se fechem as portas a quem quer demonstrar sua devoção a Jesus
Eucarístico da forma que julga mais apropriada e que a Igreja considera
legítima
O problema é que a explicação do bispo não para em pé.
Se a preocupação do bispo é com a pandemia (que já acabou), medo de
pegar ou transmitir Covid, ele nem deveria estar dando a comunhão para
ninguém, porque afinal é aquela coisa de mão pega hóstia, mão bota
hóstia em outra mão, mão coloca a hóstia na boca... e, se formos nos
apoiar mesmo em ciência-ciência-ciência, há motivos bastante razoáveis
para supor que a comunhão na boca é mais segura que a comunhão na mão, e
eu os expliquei em minha coluna de ciência e fé ainda antes que
mandassem fechar tudo aqui no Brasil. Além disso, as normas da Igreja,
reiteradas pela CNBB, deixam claro que o fiel tem o direito de escolher
como deve receber a Eucaristia.
A frase “jamais se obrigará algum fiel a
adotar a prática da comunhão na mão. Deixar-se-á a liberdade de receber
a comunhão na mão ou na boca, em pé ou de joelhos” aparece em seguidas
edições do Guia Litúrgico-Pastoral e do Diretório Litúrgico da CNBB.
Outro
argumento que dom Joaquim usou foi o da locomoção/rapidez, que também
não faz sentido. A pessoa não vai ajoelhada do banco ao presbitério,
como quem cumpre promessa na passarela de Aparecida. A jovem seguiu
normalmente na fila, e só diante do bispo foi se ajoelhar. O que
custaria isso, alguns poucos segundos a mais? Mas missa não é pit-stop
de Fórmula 1, pelo contrário: quanto mais pressa, maiores as chances de
as coisas saírem erradas. No fim, como se vê no vídeo, a insistência de
dom Joaquim atravancou a comunhão dos jovens muito mais do que se ele
tivesse simplesmente dado a comunhão à garota: ela teria se levantado
imediatamente, voltado para o seu lugar e os demais crismados
continuariam recebendo a comunhão sem demora.
Por
fim, não podia faltar o “tiraram de contexto”. Dom Joaquim reclamou que
“manipularam” o vídeo, que “passaram a divulgar que a ela foi negada a
comunhão”, e esclareceu que a jovem recebeu, sim, a Eucaristia, mas das
mãos do pároco. Isso, para mim, é mero jogo de palavras. Ela recebeu a
comunhão? Recebeu. Mas que dom Joaquim não quis lhe dar a Eucaristia,
quando era ele quem estava distribuindo o sacramento aos crismados, é
mais que evidente.
No seu Introdução ao Espírito da Liturgia, o
então cardeal Joseph Ratzinger foi bastante incisivo ao dizer que “uma
fé e uma liturgia que já não estão acostumadas ao ajoelhar-se estão
profundamente doentes”.
Se ele diz isso de quem já não se ajoelha, o que
não diria de quem não deixa ajoelhar? Rezemos, então, pela cura dessa
doença, para que, como afirma Ratzinger, “onde o ato de se ajoelhar se
perdeu, precisa ser redescoberto, de forma que, em nossa oração,
permaneçamos em comunhão com os apóstolos e mártires, com todo o cosmos,
em união com o próprio Jesus Cristo”.
“Na Igreja há espaço para
todos. Para todos”, disse o papa Francisco aos jovens reunidos em Lisboa
na semana passada.
Pois que também não se fechem as portas a jovens
como essa garota, submetida a um enorme constrangimento sem a menor
necessidade porque quis demonstrar sua devoção a Jesus Eucarístico da
forma que ela julgava mais apropriada e que a Igreja considera
plenamente legítima. Ajoelhar-se não é extravagância, não é
exibicionismo, não atravanca nem atrapalha a celebração; ajoelhar-se é
apenas tornar realidade o que São Paulo escreveu na Carta aos Romanos
14,11. Não custa conferir de vez em quando.
Marcio Antonio Campos - Coluna no Gazeta do Povo