“Algo terrível aconteceu naquela noite. Mas nem se compara com a dor e o remorso que eu fui acumulando, e que Satanás foi acumulando sobre mim, ao longo dos anos que se seguiram ao aborto.”
Na ocasião, eu não pensei muito sobre a possibilidade de estar grávida, porque eu tinha uma visão distorcida sobre o assunto: já que tinha sido um estupro, pensei, era de alguma forma menos provável que eu ficasse grávida. Foi só quando comecei a sentir os sintomas que passei a me dar conta de que, talvez, eu pudesse estar grávida. Peguei o carro sozinha e fui a uma cidade diferente para comprar um teste de gravidez. Fiz o teste no banheiro de um posto de combustível, a fim de que ninguém em minha terra natal soubesse de nada. Antes de fazê-lo, eu já tinha meio que planejado o que faria se o teste desse positivo: eu tinha o nome de um “centro para crise na gravidez” (CCG, ver nota), que eu pensava ser uma clínica de aborto [2]. Eu estava muito assustada e revoltada ali, sozinha, no banheiro daquele posto. Estava revoltada com Deus, perguntando como Ele poderia ter deixado aquilo acontecer comigo, e comigo mesma, por ter me colocado em uma situação de permitir que aquilo acontecesse.
De um telefone público, liguei para o CCG e eles disseram que eu poderia ir até lá imediatamente. Foi o que fiz. Estava a cerca de uma hora de carro. A essas alturas, já não confiava em ninguém e tinha escolhido não contar nada, nem a amigos, nem a nenhum familiar. Senti que isso só confirmaria o que as pessoas já estavam dizendo sobre eu estar “inventando um estupro”. Fui ao CCG porque pensei que se tratava de uma clínica de aborto, na esperança de ter um naquele mesmo dia.
As pessoas ali foram muito gentis comigo e contaram-me tudo o que eu já sabia sobre a vida que estava dentro de mim. Não me senti em nenhum momento julgada por eles. Eles só tinham alguns dias específicos da semana em que realizavam ultrassonografias, e eu teria de retornar dois dias depois para fazer uma. Chorando, eu lhes disse que estava tão apavorada que não conseguiria encarar as pessoas por causa da gravidez; disse ainda que iria a uma clínica de aborto assim que saísse dali. As conselheiras me disseram que, mesmo que eu passasse por um aborto, eu poderia sentir-me bem-vinda para voltar lá e falar com elas sobre isso. Até o dia de hoje, 17 anos depois, eu ainda tenho amizade com uma dessas pessoas.
Não houve nenhuma espera e nenhuma pergunta. A preocupação deles se resumia a saber se eu tinha dinheiro para lhes pagar. Eles sequer deram bola para o fato de eu estar sozinha. Foi absolutamente a pior experiência da minha vida — pior até mesmo que o estupro. Eu ficava dizendo para mim mesma que tudo iria ficar bem, que eu havia sido estuprada, então eu estava justificada, e eu iria superar isso. Eu não acreditava em nada daquilo, por isso eu ficava repetindo para mim mesma sem parar. Dizia a Deus que era tudo culpa dele. Eu estava muito nervosa na hora. Mas eu sabia que havia um bebê dentro de mim. Eu sabia que a vida começava com a concepção, mas, na minha cabeça de 17 anos, eu simplesmente não estava conectando as coisas.
Entrei no carro com dores e chorei por duas horas antes de sequer pensar em voltar para casa. Eu não deveria nem mesmo ter pegado o carro naquele dia. O problema estava resolvido de acordo com o “protocolo” social, e eu deveria estar aliviada e pronta para seguir em frente com a minha vida, mas alívio foi a última coisa que eu senti naquele momento. Eu me lembro de ter um diálogo comigo mesma, uma espécie de diálogo entre o bem e o mal: “Você fez o que tinha de fazer”, disse primeiro. “Você acha mesmo que tinha outra opção? A maioria das pessoas entenderia o que você acabou de fazer.” Mas então eu disse para mim mesma: “Você sabia que era um bebê. Como você pôde? Você é uma pessoa horrível.” Eu pensei que não podia ser realmente uma cristã, tendo feito o que acabara de fazer.
Por muitos anos, eu fiz tudo o que estava ao meu alcance para dar um fim àquela dor. Tenho poucas lembranças da faculdade, porque eu estava sempre bebendo. Também lutei com uma desordem alimentar e, honestamente, não sei como sobrevivi, não fosse pela graça de Deus. Eu ainda frequentava a igreja durante esse tempo, mas parte de mim se sentia morta e eu ainda me perguntava: “Como Deus poderia me amar? Como Ele poderia um dia me perdoar por ter assassinado meu filho?”
Depois de muito aconselhamento eu parei de beber e diminuí a desordem alimentar. Durante as sessões de terapia, nós focamos no estupro por um certo tempo e trabalhamos nisso, o que me ajudou, mas quase nunca tocávamos no assunto do aborto. Minha terapeuta chegou a me dizer: “Você fez realmente o que tinha de fazer naquela situação. Você tinha sido estuprada.”
Eu sempre senti que, por causa da experiência que eu havia tido com o CCG, mais tarde na minha vida eu gostaria de me envolver com esse tipo de ministério. Nós tínhamos acabado de celebrar o National Sanctity of Human Life Day (lit., “Dia Nacional da Santidade da Vida Humana”) na minha igreja, e eu contei a meu pastor que o CCG mais próximo de nós estava a cerca de uma hora de distância, e que havia uma grande necessidade de um centro em nossa área. Ele sentiu que Deus estava me inspirando, e encorajou-me a começar um centro local.
Então eu reuni pessoas e começamos a planejar a instalação de um CCG. Durante esse processo, ao visitar outros centros e aprender os serviços que eram oferecidos aí, pela primeira vez ouvi falar do ministério pós-aborto. Eu me aprofundei em leituras sobre síndrome pós-aborto e me dei conta de que era esse o meu grande problema, o motivo pelo qual eu sofria tanto. Tudo passou a fazer sentido.
Então, alguns anos atrás, fui a um estudo bíblico sobre aborto, onde finalmente entendi e aceitei o perdão e a graça de Deus. Com isso, também superei a desordem alimentar que eu tinha. Ainda fico deprimida às vezes, mas é algo controlado, que não domina mais a minha vida. Comecei agora um ministério pós-aborto através de nosso CCG local eestou ajudando outras mulheres a se curarem desse trauma.
Estou aqui para dizer que o aborto nunca é a solução. Ele só fará com que uma situação já dolorosa e difícil se torne ainda pior. Durante meu procedimento de aborto eu fiquei aterrorizada. Fiquei fazendo perguntas sobre o que estava prestes a acontecer e ninguém parecia querer me dar uma resposta. Olhando para trás, acho que eles queriam correr comigo antes que eu tivesse a oportunidade de mudar minha cabeça. O aborto nunca é a solução. Ele só fará com que uma situação já dolorosa e difícil se torne ainda pior.
Por muitos anos depois do que aconteceu, eu sofria crises de ansiedade e até ataques de pânico às vezes, sempre que eu escutava qualquer coisa remotamente parecida com a batida de um coração. Por muito tempo eu não entendi a que exatamente eu estava reagindo. Só muitos anos depois, quando meu marido e eu estávamos esperando nosso primeiro filho, eu passei a relacionar minha ansiedade a certos sons.
Eu vivi meu próprio inferno privado até passar por um estudo bíblico sobre aborto e encontrar a cura. A dor que eu senti por todos aqueles anos literalmente parecia que ia me matar às vezes.
Eu estava muito deprimida. Houve momentos em que eu me cortei pensando
que isso poderia liberar um pouco da dor que eu sentia dentro de mim. Houve muitos momentos em que eu pensei em dar um fim à minha vida e
outras tantas vezes eu cheguei perto de tentar. Eu honestamente pensei
que minha desordem alimentar iria eventualmente me matar, e essa se
tornou, na verdade, a minha intenção com os comportamentos doentios que
eu tinha. Era como se eu merecesse sofrer, sem viver nada que se parecesse com uma vida feliz, por causa do que eu havia feito.
Eu
quero que as pessoas ouçam minha história. Por mais difícil que seja,
elas precisam ouvir. Algo terrível se passou comigo naquele encontro,
naquela noite. Naquela ocasião, eu fui traída pelas pessoas mais
próximas a mim. Tudo isso foi extremamente doloroso, mas nem se
compara com a dor, a culpa, a vergonha, o remorso ou o ódio a mim mesma
que eu fui acumulando, e que Satanás foi acumulando sobre mim, ao longo
dos anos que se seguiram ao aborto.
Na
época, eu pensei estar justificada pelo que eu tinha feito, porque eu
não tinha escolhido estar naquela situação: eu tinha engravidado por
causa de um estupro. Eu sabia que havia uma vida dentro de mim, mas
achava que não tinha importância, por causa do modo como ela tinha ido
parar lá. Eu nunca estive tão errada. Abortar uma criança que é
resultado de um estupro afeta a mulher como em qualquer outra
circunstância. Trabalhando no CCG, tenho conversado com muitas mulheres
que passaram por um aborto ao longo dos anos, e o que eu aprendi é que nós todas partilhamos a mesma dor. Não há absolutamente diferença nenhuma. O resultado final é sempre o mesmo.
site: Padre Paulo Ricardo
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