Mal foi anunciado o nome do novo papa, começou a circular mundo
afora a acusação de que Jorge Mario Bergoglio, agora papa Francisco, teria
denunciando dois jesuítas, subordinados seus, para a ditadura. Quem espalha a história
é o jornalista Horacio Verbitsky, que pertenceu ao grupo terrorista Montoneros.
Ele próprio admite que deu alguns tiros, “mas sem matar ninguém”. Claro, claro!
Um outro jornalista argentino o acusa de ter desviado para Cuba os US$ 60
milhões que renderem o sequestro de dois bilionários argentinos. Considerando a
sua história e a de Bergoglio, é muito mais verossímil que ele tenha se metido
na sujeira do sequestro — terrorista confesso — do que o agora papa se
envolvido com as forças da repressão. Quando procuramos os detalhes, ficamos
sabendo que o dito “jornalista respeitável” não tem uma só prova, um só
indício. O ódio àquele que foi escolhido para conduzir a Igreja Católica
certamente deriva de sua postura considerada “conservadora” também em política.
O até ontem arcebispo de Buenos Aires repudia uma Igreja transformada em
partido político.
Também começaram a circular os ataques ao papa Francisco por conta
de sua censura ao casamento gay e à adoção de crianças por pares homossexuais.
Aqui e ali, com ares de indignação, quase de escândalo, lembrava-se ainda que
o novo papa se opõe ao aborto, a pesquisas com embriões humanos e defende as
regras de relacionamento amoroso e concepção da… Igreja Católica! Meu deus!
Para onde caminha este mundo louco, não é mesmo?
Com que então os cardeais escolheram para conduzir a Igreja
Católica alguém que defende os fundamentos da… Igreja Católica!? Fico cá me
perguntando por que, afinal, esses benfeitores da humanidade, tão convencidos
de que o Vaticano é um covil de reacionários, não vão testar as suas teses
progressistas em países que tiveram a ventura de não passar pela “ditadura
católica” — como os muçulmanos, por exemplo. Teerã… É! Penso em Teerã, capital
do Irã, cujo presidente, Mahamoud Ahmadinejad, é tão amigo dos “companheiros”
brasileiros… Teerã me parece um bom lugar para essa militância, livre do, como
é mesmo?, “peso do mundo judaico-cristão”…. Só tomem cuidado com os guindastes.
Quando virem algumas pessoas penduradas, elas não estão trabalhando…
“Ah, o Reinaldo acha que a gente não tem o direito de se expressar
aqui mesmo; quer mandar a gente para o Irã…” Uma ova! Eu acho que vocês têm o
direito de pedir o que lhe der na telha, mas têm também o dever de permitir que
a Igreja seja Igreja — uma entidade que, embora aspire a valores universais,
fala aos seus e não exerce poder de estado. Adere a ela quem quer. “Mas não
tenho o direito de ser gay e ser católico”? Não se tem notícia de que a Igreja
tenha expulsado de um de seus templos quem quer que seja. Também é uma mentira
escandalosa que a religião promova a perseguição a este ou àquele.
A instituição tem, no entanto, a sua concepção do que seja a
família natural — e acho difícil que isso mude algum dia. Mas é evidente que
reconhece a existência da homossexualidade e da vida em comum de parceiros
homossexuais como realidade de fato. Só não aceita que tenha o mesmo status da
“família natural”. Aí grita alguém: “Por quê? É inferior?” Não! É outra coisa,
que a instituição não aceita como parâmetro.
Qual é o problema? Apesar da oposição da Igreja Católica da
Argentina ao casamento gay e à possibilidade de adoção, a lei foi aprovada, não
foi? O que me pergunto é por que não basta aos militantes da causa vencer. Por
que, afinal de contas, exigem que a Igreja Católica comungue de seus mesmos
valores? Fico muito impressionado que a escolha de um papa e a indicação do
presidente de uma comissão do Congresso brasileiro tenham de necessariamente
ser filtrados por essa pauta. Parece que a Igreja Católica, especialmente nas
reportagens de TV, não tem mais nenhum desafio pela frente. Parece que aquela
que é a maior instituição educacional do mundo, a maior instituição de
benemerência do mundo, a maior rede de atendimento médico do mundo — só para
citar alguns dos aspectos, digamos, mundanos da Igreja — agora se define por
sua opinião sobre o… casamento gay! Tenham paciência!
“Reinaldo está querendo dizer que milhões de pessoas não têm
importância…” Não! Estou afirmando que a pauta da Igreja Católica é outra, ora
essa! Eu sei que é chato ser um tanto óbvio, mas a medida da instituição,
apesar de todos os seus desvios — porque feita por homens imperfeitos — é o
exemplo deixado por Jesus Cristo e as verdades reveladas (assim creem os
católicos) nos Evangelhos. É uma perda de tempo, um desperdício de energia e,
no fundo, uma estupidez cobrar que ela renuncie a seus fundamentos.
A Igreja não abrirá mão do que considera a “família natural”; não
cederá aos apelos em favor da descriminação do aborto; não acatará a destruição
de embriões humanos em nome da pesquisa científica; não dará seu endosso à
dissolução do casamento; não cederá, ATENÇÃO PARA ISTO!, ao pragmatismo do
capitalismo, do liberalismo (e é um liberal que escreve) etc.
Não fará nada disso porque o seu diálogo com o mundo moderno
consiste em amparar quem sofre no… mundo moderno, mas não em ceder a seus
apelos. A Igreja Católica pode beijar os pés dos que considera “pecadores”, mas
não aceitará jamais o seu pecado. E essa talvez seja a dimensão mais
incompreendida da instituição.
Quando se diz que a igreja ama o pecador, mas não o pecado, não se
está fazendo mero jogo de palavras. Todo homem, mesmo o mais vil, é digno de
piedade, mas isso não quer dizer que possamos concordar com seus malfeitos.
Nessas horas, sempre me vem à mente o exemplo notável do advogado
católico Sobral Pinto. Anticomunista ferrenho, foi advogado, não obstante, de
Luiz Carlos Prestes e Harry Berger (Arthur Ewert era seu nome real), que
lideraram o levante comunista de 1935. Presos, foram barbaramente torturados
pelo regime getulista. Entrou para a história a estratégia de Sobral, que
evocou para defendê-los a Lei de Proteção aos Animais. Sim, ele abominava o
comunismo, mas isso não o fazia abominar as PESSOAS comunistas.
Submetidas que estavam a um tratamento desumano, inaceitável,
injusto, Sobral fez o seu trabalho de advogado e viveu na prática o mandamento
de sua religião. Bem, todos sabemos o que os comunistas fizeram com os cristãos
quando e onde chegaram ao poder, não é mesmo? Será que Prestes, ele mesmo,
teria salvado a cabeça de Sobral Pinto? Acho que não… Findo o Estado Novo,
subiu ao palanque do Getúlio que havia liderado o regime que o torturara e que
mandara para a Alemanha nazista a sua mulher, Olga Benário, que era judia e
estava grávida. Como Prestes conseguiu fazer aquilo? Alguns, acreditem!, chegam
a admirá-lo por isso. Fez porque ele tinha uma causa que considerava mais
importante: a luta contra o imperialismo. Ora, se essa luta o fazia dar as mãos
a um mostro, ela também poderia fazê-lo mandar para o paredão um anjo, não é?
“Por que essa viagem, Reinaldo?” Não é viagem nenhuma, não! Só
estou deixando claro que os fundamentos do catolicismo não estão e não podem
estar sujeitos a certas contingências. A Igreja pode e deve ser mais célere em
buscar meios que facilitem a divulgação de sua “mensagem”, da “Palavra”, mas
não contem com a possibilidade de que ela se transforme numa ONG, cujo rumo
seja ditado pela “minoria democrática”, esse conceito tão singular criado pela
militância influente, à qual a imprensa adere gostosamente. Uma igreja é feita
por seus fiéis. Nesse sentido, deve-se abrir para o povo. Mas uma religião,
prestem atenção!, conduz em vez de ser conduzida. Quem tem de se submeter à
maioria democrática é o estado laico — e, ainda assim, é preciso que o
faça segundo critérios muito claros, ou o mundo regride para o estado da
natureza, para a luta de todos contra todos. A Igreja não é uma democracia. E
faz, para lembrar a missa, o convite para “Ceia do Senhor”. É, insisto, um
convite: “Felizes os convidados…”
Na Igreja do papa Francisco, como na de Bento XVI, de João Paulo
II e de outros tantos, há lugar pra todo mundo, para todos nós, com todas as
nossas particularidades e imperfeições. Mas, vejam que coisa!, nem todas as
ideias e as visões de mundo são aceitas também como verdades dessa Igreja.
E me ocorre agora uma questão interessante: nem todas as ideias e
visões de mundo devem ser aceitas nas associações GLBTs, por exemplo. Tenho a
certeza de que nem mesmo gays eventualmente contrários ao casamento gay, e eles
existem, seriam considerados bem-vindos, não é? O mesmo vale para o mundo da
ciência. Cientistas que se opõem à pesquisa com embriões humanos levam na testa
a pecha de obscurantistas. Conheço casos. Entendo. No fim das contas, os
pequenos papas de suas respectivas seitas acham inaceitável que possa existir
um papa da Igreja Católica. E saem gritando “cortem-lhe a cabeça!” em nome da
tolerância.
Por
Reinaldo Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário