Com São João Eudes (1601-1680),
podemos dizer que a devoção ao Sagrado Coração como que atingiu a
maioridade. Com efeito, graças à sua ação, esta devoção deixou de ser
exclusivamente privada e se tornou pública e oficial. Com ele se
instituiu o culto litúrgico ao Sagrado Coração.
Sua missão foi mais do que a de simples precursor de Paray-le-Monial.
São Pio X chama-o “pai, doutor apóstolo” da devoção ao Sagrado Coração
de Jesus e de Maria.
Enérgico adversário do Jansenismo na França, São João Eudes estudou com
os padres da Companhia de Jesus em Caen, ingressando depois no Oratório
de Jesus e de Maria Imaculada. Ali tomou contacto com a espiritualidade
do Cardeal de Bérulle (1575-1629), cuja nota tônica, colocada na
contemplação do Verbo Encarnado, nisto muito se assemelha à do fundador
dos jesuítas.
Essa espiritualidade tem como base a
comtemplação da vida interior do Salvador e a consideração dos mais
variados estados de sua alma. É muito rica, pois tais estados são
variadíssimos, como a mutação das águas do oceano: ora são amenas, ora
majestosas, ora fustigam os rochedos, ora são acolhedoras e acessíveis a
todos.
A partir de fins da Idade Média a reflexão piedosa sobre a Humanidade
Santíssima de Cristo cresceu muito, a ponto de se tornar uma forma usual
de devoção. O Cardeal de Bérulle foi dos mais destacados expoentes
desse movimento geral da piedade católica.
Segundo essa corrente – comumente chamada Escola Francesa – o devoto, ao
considerar o interior divino, procura ser dócil aos movimentos que essa
contemplação desperta em si. É o culto à vida interior de Cristo.
Considera Sua adoração ao Padre Eterno, Sua abnegação e espírito de
sacrifício, Seu amor e devotamento pelos homens.
A devoção ao Sagrado Coração está aí
muito presente, pois, na literatura ascética do século XVII, “ Coração
de Jesus” e “vida interior de Jesus” são expressões usadas
indistintamente.
São João Eudes assimilou também nesta escola uma especial devoção a
Nossa Senhora, que se refletirá em toda sua atividade de escritor,
fundador e missionário. Também faz parte da Escola Francesa a
contemplação simultânea dos estados de alma de Jesus e Maria. Disso é um
exemplo magnífico e conhecida oração Ó Jesus, que viveis em Maria, cuja
íntegra é a seguinte:
“Ó Jesus, que viveis em Maria, vinde e vivei no vosso servo, com o
espírito de vossa santidade, com a plenitude de vossa virtude, com a
perfeição das vossas vias, com a comunicação das vossas graças; dominai
sobre os poderes infernais, com o vosso espírito, para a glória do Pai”.
Seguindo o espírito da Escola Francesa, São João Eudes dirá que Maria é o
paraíso de Jesus, que Maria está em Jesus, e que ela participou, em
sintonia perfeita, dos vários estados da alma do Divino Salvador.
Ainda sob o influxo da Escola Francesa, este Santo aprendera a honrar,
na Paixão, primordialmente as angústias e as aflições da alma de Nosso
Senhor. Esta prática conduz os fiéis, ao contemplar a Paixão, a se
deterem especialmente nos tormentos morais do Jardim das Oliveiras. Tais
idéias serão o ponto de partida do ensinamento e do apostolado Santo.
Essa doutrina – muito elevada e muito própria a santificar – era,
entretanto, apresentada pelo Cardeal de Bérulle e por sua escola em
termos não facilmente acessíveis ao comum dos fiéis. Premido pelas
necessidades de sua atividade missionária, São João Eudes, em suas
pregações, a adaptará e a colocará ao alcance do povo.
Este Santo fundou duas congregações: uma masculina, a Congregação de
Jesus e Maria, destinada à pregação de missões paroquiais e à direção de
seminários, e outra feminina, a Ordem de Nossa Senhora da Caridade do
Refúgio, para a regeneração das mulheres decaídas.
Em 1648 São João Eudes conseguiu a aprovação de um Ofício e uma Missa do
Coração de Maria, por ele compostos. Anos mais tarde, em 1672, obteve o
mesmo para um Ofício e uma Missa próprios do Sagrado Coração de Jesus,
igualmente compostos por ele, celebrados a partir de 20 de outubro
daquele ano em várias dioceses da França. Por esta sua atividade, a
Igreja o chama “autor do culto litúrgico dos Corações Sagrados de Jesus e
Maria”.
Nesse mesmo ano, São João Eudes começou a pregar com freqüência a
devoção ao Sagrado Coração de Jesus. A referida festa, celebrada nos
seminários dirigidos pela Congregação fundada por ele, pouco a pouco
transpôs seus muros e se difundiu pela França inteira.Quase todas as
igrejas e comunidades religiosas que haviam adotado a festa do Coração
de Maria adotaram também o Coração de Jesus.
É interessante lembrar que, em 20 de outubro de 1674, a Princesa
Francisca da Lorena, abadessa das beneditinas de São Pedro de
Montmartre, fez celebrar solenemente o Ofício e a Festa do Sagrado
Coração de Jesus na capela de seu mosteiro, em presença de uma parte da
corte de Luís XIV. Era o ofício composto pelo Santo. No século XIX,
nessa mesma colina de Montmartre, seria erguida uma monumental basílica,
que se tornaria um dos símbolos da devoção ao Sagrado Coração.
São João Eudes foi missionário a vida inteira. Começará pregando a
devoção ao Imaculado Coração de Maria. Só no fim da vida passou a
colocar ênfase no Sagrado Coração de Jesus. Mas, para o santo francês,
as duas devoções têm uma sintonia completa. Ele popularizou, aliás a
expressão “o Sagrado Coração de Jesus e Maria”, para mostrar a perfeita
consonância de vontade, afetos, aspirações, vias e pensamentos entre a
Mãe e o Filho. Os dois corações pulsavam em uníssono.
Para São João Eudes, o coração significa especialmente o interior, a
vida íntima, os estados de alma. Esta característica ficará na devoção
ao Sagrado Coração de Jesus nos Tempos Modernos, que busca seu alimento
sobretudo na contemplação reparadora das dores morais – menosprezos,
ultrajes, esquecimentos – que o Divino Mestre e sua Igreja sofrem da
parte dos homens ingratos e endurecidos pelo pecado.
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