Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - Revista Veja
http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/
Nota dos editores do Blog: nem todas as opiniões expressas pelo jornalista e blogueiro Reinaldo Azevedo são apoiadas por estes editores.
Publicamos o material por ser o autor um católico e seu artigo apresentar condições para um melhor debate/esclarecimento do assunto.
MAIS DEZ CONSIDERAÇÕES SOBRE A IGREJA, A FÉ O POPULISMO Faço aqui algumas observações, fechadas para comentários. Opinem no post abaixo, que trata longamente do assunto, já levando em consideração o que aqui vai: 1 – de fato, é incorreto afirmar que d. José excomungou este ou aquele; ele apenas fez o anúncio. A excomunhão é automática nesse caso; 2 – é uma tolice puramente midiática, fruto da ignorância, afirmar que o bispo excomungou médicos e mãe, mas poupou o estuprador, como se o protegesse. Não caiam nessa bobagem; 3 – é uma idiotice ficar debatendo se estupro é pior ou melhor do que assassinato — ou vamos voltar ao paradigma “estupra, mas não mata”. Há ações que são passíveis de excomunhão, e outras que não são, segundo um código, que é, por assim dizer, a Constituição da Igreja. Investir nesse falso contraste é puro apelo populista, que emburrece o debate; 4 – sei muito bem o que afirmei: o bispo, com a autoridade que lhe é conferida, deveria, entendo, ter sido mais atento aos relevos humanos da questão e aos sentimentos que o caso mobilizou. REITERO: A RIGIDEZ PURAMENTE DECLARATÓRIA MAIS DISTORCE A MENSAGEM CATÓLICA DO QUE A ELUCIDA. Mas o linchamento moral a que está sendo submetido é fruto da ignorância; 5 – não há ambigüidade nenhuma no que escrevi. Basta saber ler; há gente falando em nome do “catolicismo”acusando-me das piores coisas. Não participo de campeonato nenhum de virtudes cristãs. Não me considero além das fragilidades humanas e não exijo de ninguém que carregue uma pedra maior do que pode suportar. Cristo humanizou Deus, mas não endeusou os homens; 6 – nenhum médico é obrigado, sob qualquer pretexto, a fazer um aborto, ainda que legal. Assim como, na esfera civil, não posso alegar ignorância da lei ao praticar o que um código escrito considera crime, ninguém pode alegar ignorância dos princípios da religião que diz praticar ao fazer isso e aquilo. Ser católico, de fato e felizmente, é uma escolha. Não há nada de falacioso nesse argumento; 7 – PERGUNTO-ME QUANTAS SÃO AS PESSOAS REALMENTE TOCADAS PELA MISÉRIA HUMANA QUE ESSA HISTÓRIA TODA REVELA. QUANTAS SÃO AQUELAS REALMENTE ATENTAS À DOR QUE ACOMPANHARÁ, TALVEZ PARA SEMPRE, ESSA MENINA E ESSA FAMÍLIA; 8 – noto que, mais uma vez, um episódio tão triste, tão sofrido, serve de pretexto para as falanges do ódio, que, não raro, se mobilizam contra a Igreja; 9 – não, eu não insinuei — gostem de mim ou não, nunca insinuo nada, sempre nego ou afirmo — que d. José deveria ter um senso de marketing mais afinado; eu repudio a Igreja populista, com seus padres cantores e ginastas; 10 – eu alertei para o cuidado que se deve ter para que a lei não se confunda, aos olhos dos simples, com a intransigência dos fariseus, o que contribui para jogar uma sombra de desinteligência sobre os princípios essencialmente acolhedores do cristianismo, de que o perdão é pedra fundamental. |
O BISPO, O ABORTO E A EXCOMUNHÃO. OU: DE OPORTUNISTAS E HIPÓCRITAS Leitores às penca me pedem — alguns cobram — que me pronuncie sobre a decisão de d. José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e de Recife, de excomungar os médicos que fizeram o aborto numa garota de nove anos, estuprada pelo padrasto. A família, que autorizou o procedimento, também foi alvo da punição religiosa. Por que, segundo alguns, estaria eu “obrigado” a escrever sobre o assunto? Ora, porque sou católico. E há dois "desafios" em curso: a – para os que não gostam da Igreja, se sou católico, então sou co-responsável pela decisão do bispo; b – para os que se querem a própria encarnação do catolicismo, chegou a hora de eu realmente demonstrar se sou ou não católico, tendo a “coragem”, como dizem, de defender a decisão de d. José Cardoso. Nesse segundo caso, o desafio se explica. Embora eu me alinhe com as diretrizes ditas “conservadoras” de Bento 16 no que diz respeito à doutrina e considere a Teologia da Libertação uma das maiores bobagens nascidas no seio do catolicismo, defendo a adoção de crianças por casais gays (como se nota, heterossexualidade não implica respeito à infância), uma abordagem diferente para a homossexualidade (já que ninguém é gay porque quer; ao contrário: ninguém quer ser gay...) e o fim do celibato sacerdotal. Como se nota, fico como o índio do I Juca Pirama, de Gonçalves Dias: não quero saber dos “progressistas”, e os “conservadores” não querem saber de mim... Como é mesmo? “Rejeitado da morte na guerra/ rejeitado dos homens na paz”. Viver é mesmo muito perigoso. Já defendi aqui, e fui muito criticado por alguns católicos, que ameaçaram, vamos dizer, cassar a minha “licença” para me dizer parte dessa comunidade, a lei vigente no Brasil, que permite o aborto legal em casos de estupro e risco de vida para a mãe. Aquela pobre menina de Pernambuco reúne essas duas condições. NESSE CASOS, ADMITO TAL PROCEDIMENTO NÃO COM O FUROR MILITANTE. MAS COM DOR. A FACILIDADE COM QUE GRUPOS ORGANIZADOS DEFENDEM A MORTE ME É UMA COISA ASSUSTADORA. De certo modo, não compreendo os relevos da alma de quem sai às ruas para defender aborto, eutanásia, pena de morte... Não compreendo. Para mim, são práticas assustadoras. SOU CONTRA A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO, ESTÁ DADO, MAS ACREDITO QUE A LEI QUE ABRAÇA ESSAS DUAS EXCEÇÕES DÁ CONTA DA NOSSA TRISTE PRECARIEDADE. Agora d. José A decisão do arcebispo de Olinda e Recife, que fique claro, tem alcance apenas religioso. Para um fiel comum, não pertencente à hierarquia católica, seu peso é simbólico, sem conseqüências na vida, digamos, civil. Faço tal observação porque, a julgar por certas reações, ficou parecendo que médicos e familiares foram alvos de uma punição legal. Que se note: d. José atuou de acordo com o que está expresso no Direito Canônico. As circunstâncias do caso talvez devessem ter empurrado o arcebispo para uma posição de conciliação. O aborto implica a excomunhão automática, é fato. Mas ele está investido de poder para considerar circunstâncias atenuantes — e, nesse caso, elas são muitas. O que lamento em tudo isso? O fato de que considero que a posição da Igreja Católica, contrária ao aborto, é, na sua raiz, inclusive a histórica, um avanço que, se me permite o aparente pleonasmo, humanizou o homem. A oposição do cristianismo antigo ao aborto foi um fator decisivo para a expansão da religião no chamado mundo helênico — e as mulheres aderiram à, vá lá, “nova religião” com entusiasmo. Também lhes interessavam a defesa da monogamia e a proibição do adultério. A aparente “crueldade” de d. José, como li em algum lugar, se assenta num princípio que, pouco importa o que digam os militantes da morte, protege a vida. O que me parece é que faltou ao bispo, zeloso dos princípios, pesar as circunstâncias para que sua decisão não restasse contraproducente: em vez de chamar a atenção para a defesa da vida, apenas reforçou, ao olhos do público, uma espécie de rigidez que parece ignorar as fragilidades humanas. Acertou no princípio; errou no tom. Em tempos em que tudo se faz pensando apenas no marketing, d. José é mesmo um prodígio de falta de tino publicitário. Críticas Foi o que bastou para que o considerassem uma besta do Apocalipse e, na opinião de Arnaldo Jabor, a expressão da Igreja reacionária de Bento 16. Inimigos da Igreja Católica, como uma seita neopentecostal dona de partido político e canal de televisão, que faz mais "milagres" por hopra do que Cristo ao longo de 33 anos, tentaram transformar o arcebispo de Olinda e Recife numa espécie de ogro de uma pobre menina de 9 anos. Impressiona-me, como sempre, o fato de que qualquer religião pode impor a seus fiéis a disciplina que bem entender, e isso será considerado matéria de “liberdade religiosa”. Já os católicos, não! A Igreja parece a casa-da-mãe-joana. Todo mundo se acha no direito de discordar do que é, notem bem, uma ORIENTAÇÃO RELIGIOSA ou uma DECISÃO DE ALCANCE APENAS RELIGIOSO. A CNBB e os assassinos No dia 27 de fevereiro, lia-se no seguinte no Estadão Online: Reunidos em Salvador para encontro do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, dirigentes de 47 entidades de luta pela terra - incluindo MST, CNBB, CUT e CPT - divulgaram ontem manifesto de repúdio ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. "Ele é o guardião da Constituição, símbolo que deveria preservar o direito estabelecido, não se colocar ao lado de uma classe, como está fazendo com os latifundiários, ao tentar criminalizar os movimentos sociais", criticou o secretário executivo do fórum, Gilberto Fontes, ligado à CPT. "É um ataque ao Estado Democrático de Direito." A CPT é a Comissão Pastoral da Terra. A CNBB é a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Seis dias antes, o MST assassinara quatro pessoas, com tiros nas pernas, na cabeça e na cara. Execução mesmo. As mortes foram assumidas por Jaime Amorim, chefão do movimento. O que uma coisa tem a ver com outra? Ora, d. José, que agiu nos estritos limites do que lhe permite a sua Igreja, ainda que numa decisão polêmica, admito, é tratado como um criminoso. A CNBB, que silenciou diante de quatro execuções, em desconformidade com tudo o que lhe diz a Igreja que ela pretende representar, merece o tratamento de entidade, como é mesmo?, “progressista” e afinada com os interesses da sociedade... Nos dois casos, evidentemente, tem-se uma agenda que não é religiosa — e o bispo é um religioso —, mas política: num caso, a defesa do aborto (de qualquer aborto); no outro, a defesa da reforma agrária à moda MST. Os hipócritas Os ministros da Saúde, José Gomes Temporão, e do Meio Ambiente, Carlos Minc, que não perdem uma só oportunidade de dizer asnices, resolveram se pronunciar sobre o caso. Atenção! Eles não falaram sobre a decisão médica, mas sobre a atitude do bispo. Disse Temporâo: “Está na lei que, em caso de risco de vida da gestante ou gravidez resultado de estupro, o aborto pode ser permitido. O resto, é opinião da Igreja. Estou impactado." Afirmou Minc: “Quero falar como cidadão: estou muito revoltado. Essa menina foi violentada, já teve um trauma grande. A Igreja, em vez de ajudar, criou uma questão a mais. É a criminalização da vítima". Temporão É FAVORÁVEL A QUALQUER ABORTO. E quem é favorável a qualquer aborto não pode se pronunciar sobre este aborto em particular sem que isso cheire a inaceitável oportunismo e vigarice intelectual. Aproveita-se de um caso dramático para fazer proselitismo. Ademais, o bispo não contestou a decisão legal, contestou? Quem se meteu na questão religiosa foi Temporão — como, alas, é hábito seu. A propósito: o país já vive um novo surto inédito de dengue. Por que ele não aborda temas que lhe dizem respeito? Quanto a Minc, dizer o quê? Comanda o ministério que pode retardar uma hidrelétrica por causa de um papagaio; pode meter alguém na cadeia por causa de um minhocuçu. O caiçara que comer um ovo de tartaruga pode ir em cana. Por que o ovo humano não pode ser digno dos mesmos cuidados? Conversando com um leitor, escrevi aqui certa feita: “Proponho uma questão aparentemente banal, mas que dá o que pensar. O movimento contra o uso de cobaias animais é mundial. Já virou até lei em Florianópolis. Considero-o uma tolice obscurantista. Repararam como os que defendem a ‘animalização’ da vida humana, reduzindo o homem à sua dimensão só biológica, não se opuseram à 'humanização' do animal?" E, claro, Lula também resolveu tirar uma casquinha do caso, criticando o bispo, com toda a autoridade teológica e eclesiástica de que é investido. Fora do poder, quem sabe decida se candidatar a papa... Concluindo Demorei um tanto para falar sobre o assunto. Foi, na verdade, em sinal de respeito. Trata-se de um drama humano que nos constrange e que expõe as misérias a que, humanos, estamos sujeitos. Não decidi falar do caso agora porque uns e outros a tanto me desafiaram. Ninguém me faz escrever sobre o que não quero. Decido a minha pauta. Como resta, creio, evidente, acho que o bispo escolheu o caminho do rigor que confunde em vez do da compreensão que esclarece. E eu sou paulino: é preciso distinguir flauta de cítara. Mas tratá-lo como criminoso ou como algoz da vítima, como quer este impressionante Carlos Minc, é uma estupidez. Muitos dos casos em que a Igreja é acusada de excesso de rigor não nascem da observância de suas diretrizes, como alguns querem fazer crer, mas justamente da não-observância. Os ombros de um mundo fora dos princípios da Igreja Católica, aposto, são muito mais largos e comportam muito mais iniqüidades do que aqueles que suportam o peso da doutrina. E seria um bem e tanto se os críticos da Igreja Católica, na imprensa, procurassem se informar um tanto sobre os princípios da instituição. Por que tratar desse assunto? Mais uma vez, encerro com o trecho extraído de Memórias de Adriano, um grande romance de Marguerite Yourcenar sobre um imperador que não era exatamente um cristão...: “(...) Quando tivermos reduzido o máximo possível as servidões inúteis, evitando as desgraças desnecessárias, restará sempre, para manter vivas as virtudes heróicas do homem, a longa série de males verdadeiros: a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não partilhado, a amizade rejeitada, a mediocridade de uma vida menos vasta do que nossos projetos e mais enevoada do que nossos sonhos. Enfim, todas as desventuras causadas pela divina natureza das coisas”. |
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