Na Igreja do Carmo, obra ''invisível'' é revelada
Pintura do padre Jesuíno do Monte Carmelo resgata a arte barroca de SP
Humberto Maia Junior
Primeiro, apareceu a boca - vermelha.
Em seguida, a raspagem do forro da Igreja do Carmo, no centro de São Paulo, revelou um nariz, as mãos. Pelos traços do pincel, não restaram dúvidas. A "pintura invisível" de padre Jesuíno do Monte Carmelo não era uma lenda. Embaixo de uma pintura grosseira no forro da nave da igreja do século 18, há um trabalho do artista barroco, como desconfiava o poeta Mario de Andrade, há seis décadas.
Restauradores encontraram a imagem de Nossa Senhora do Carmo, de mãos entrelaçadas junto ao peito, rodeada por anjos e querubins. "Me parece ser a melhor pintura dele", disse o coordenador dos trabalhos na igreja, o restaurador artístico Julio Moraes, que considera o padre Jesuíno - artista nascido em Santos no dia 25 de março de 1764 - um dos principais nomes da arte paulista da época colonial. "Sabemos como era o barroco no Rio, em Minas e na Bahia. Mas temos poucas informações sobre como se pintava em São Paulo no século 18."
Naquela época, segundo o historiador do Iphan Carlos Cerqueira, a riqueza ainda não estava na capital, e sim em Itu, que prosperava com a produção de açúcar, e Santos, por onde a produção era exportada. "A população crescia lentamente. Viviam em São Paulo comerciantes, funcionários públicos e militares."
Para Cerqueira, autor do projeto A Pintura Invisível do Padre Jesuíno do Monte Carmelo: Resgate de uma Pintura Colonial Paulista, a obra foi feita entre 1796 e 1798.
"O resgate dessa obra é importante para a história da arte paulista e brasileira." Ele disse não saber quem fez a pintura que encobriu o trabalho de Jesuíno. "Suspeita-se que tenha sido entre o fim do século 19 e começo do 20." Quando a obra original foi feita, explicou, utilizava-se verniz que reforçava as cores. Com o tempo, o verniz escurece a obra. "Não havia tecnologia para restauração."
O usual era contratar um artista para refazer a pintura.
TRABALHO MINUCIOSOO trabalho para comprovar a existência da pintura começou no ano passado, quando o Iphan contratou a empresa de Moraes, especializada em restaurações artísticas.
Primeiro, foram abertos pequenos pontos no forro para ver se havia pintura escondida. No fim de agosto, os restauradores começaram a segunda etapa: relevar 12 metros quadrados da obra, no centro do forro da nave. O trabalho deve terminar em duas semanas. O processo é lento. Com bisturi e solventes, os restauradores raspam a pintura externa, até aparecer o que está por baixo. "É um trabalho minucioso que exige paciência", diz o restaurador Toni Dorta.
A primeira fase custou cerca de R$ 32 mil. Terminada a etapa, Cerqueira vai tentar a aprovação de outro projeto: revelar toda a obra de Jesuíno no forro da nave da igreja.Moraes e Cerqueira sabem que há um terceiro trabalho: no altar-mor (onde o padre celebra a missa), prospecções levaram à descoberta de que há uma obra embaixo das pinturas do padre Jesuíno. Possivelmente, o autor seja o padre José Patrício da Silva Manso, de quem Jesuíno era discípulo. "Ela deve ter sido pintada por volta de 1795", diz o historiador do Iphan.O dilema: o que fazer? "Estamos numa situação difícil", diz Moraes. "Ninguém vai destruir a pintura do Jesuíno. Mas vamos ficar curiosos." Para saber o que há embaixo, é necessário utilizar um processo chamado reflectografia em infravermelho, que permitirá fotografar a outra "pintura invisível."
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quarta-feira, 11 de março de 2009
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