O SANGUE DO CORDEIRO - I
“O QUE O MUNDO ERA E O QUE VIRÁ A SER”
(1.ª Parte)
“O mundo levantou muralhas”
Acamada, Alexandrina continua a viver, todas as sextas-feiras, a dolorosa Paixão de Jesus, muitas vezes assolada pela aridez, pelo “deserto espiritual”, que é em si mesmo um sofrimento atroz:
Querer amar a Deus e nada sentir que prove aquele amor que a alma quer dar ao Senhor, não sentir o Seu amor, nem a mínima consolação espiritual:
Estar verdadeiramente no meio dum imenso deserto, sem saber para onde voltar-se, sem saber a quem de agarrar para não perecer.
As palavras que seguem exprimem bem os sentimentos da alma, o estado em que se encontrava então a Alexandrina...
« "Vivo, não vivo; estou no mundo, não estou?"
Não é, mas quase poderia ser uma pergunta contínua a mim mesma.
Todo o meu ser foi como que um sopro, que se espalhou no espaço.
Nada em mim tem vida nem valor.
Jesus ressuscitou. Em mim nada houve que ressuscitasse »
Para melhor ainda confirmar este estado da sua alma, a “Doentinha de Balasar” prossegue, como acima já vimos, sentindo-se apenas ressuscitada para o mal, para ofender o Senhor seu Deus:
« Fiquei morta para a vida, para a Graça, para tudo quanto é do Senhor.
Só o pecado, só as maldades, crimes hediondos, esses nascem, esses ressuscitam em mim, de momento a momento ».
No mesmo Diário desse dia, ela escreve ainda, um pouco mais adiante, confirmando não somente o seu “deserto espiritual”, mas também as trevas em que então se encontra mergulhada a sua alma:
« O mundo levantou muralhas, com fortes grilhões, à volta de mim; não deixa que nesta morada haja luz, ou entre um raiozinho de sol.
Posso gemer, posso bradar, mas não sou ouvida ».
Desde há vinte e sete anos ― 14 de Abril de 1925 ― que a Alexandrina se encontra acamada. Vinte e sete anos de dolorosos sofrimentos, mas também vinte e sete anos de oferta total, de dom de si a Jesus, seu Divino Esposo, que sempre a acompanha, que sempre a encoraja e regularmente lhe oferece aquela gota de Sangue Divino; Sangue que lhe dá vida e que é o influxo necessário à Missão a ela confiada.
Com um amor indizível e uma vontade inquebrantável, ela nada recusa; tudo quer aceitar para a maior Glória do seu Amado e para a salvação das almas pecadoras, que tanto ofendem e fazem sofrer o Coração amante de Jesus.
Alexandrina parece ter sempre presentes aquelas palavras que outrora ouvira do Senhor: "Sofrer, Amar, Reparar".
“O meu coração fez-se pomba”
A Paixão que Alexandrina vive, começa regularmente na noite da quinta para a sexta-feira, noite em que ela vive o Horto, o Jardim das Oliveiras, à sombra das quais Jesus sofreu e suou sangue.« Com os olhos fitos no Horto ― escreve Alexandrina ―, só o amava e por ele ansiava.
Era já de noite, o meu coração fez-se pomba, e o mundo uma pequenina bola.
Esta entrou toda dentro do coração. E a pombinha, com o bico enterrado na terra apodrecida, começou a remexê-la e a cortar pela raiz toda a árvore ruim e venenosa.
A bolinha do mundo foi tão amada e abraçada num abraço eterno!
« Porém, certas árvores não se deixaram destruir por completo. As suas raízes venenosas cresceram, estenderam-se.
E daí, vem para Jesus o suor de sangue, os açoites, a coroa de espinhos e a morte.
Mais ainda: Jesus não ia ter o Calvário dum só dia; ia tê-lo por muitos e muitos séculos.
Tudo isto se passou em mim, e eu tudo sofri com Jesus ».
Depois do Horto, o Calvário e a visão do todos os sofrimentos, não só os presentes e próximos, mas ainda aqueles de “muitos e muitos séculos”, como acima ela disse e abaixo vai confirmar:
“O que o mundo era, e o que viria a ser”.
Terrível visão esta, que nos interessa ao mais alto grau.
« No alto do Calvário, pousava-se a mesma pombinha nos braços da cruz, mudando-se ora para um, ora para outro; e de vez em quando dava-me com o biquinho como que uma injecção no coração.
O corpo sem sangue, já quase moribundo, a nada podia resistir; era aquela pombinha que me dava a vida.
« Eu via o que o mundo era, o que viria a ser.
Bradava tão profundamente, fazia estremecer toda a terra.
Ao entregar ao Pai o meu espírito, ao pronunciar a última palavra, ainda sentia aquele biquito a dar-me no coração o último retoque.
E expirei com aquela mesma vida ».
Logo a seguir, Jesus vem falar à Sua amada, vem queixar-se, como outrora o fizera junto de Santa Margarida Maria Alacoque:
― « Reparai e vede como sangra o Coração Divino de Jesus.
Reparai e ponderai, não pode deixar de sangrar.
Os crimes, os crimes, são o cúmulo das desordens e dos desvarios.
Quem é o ferido, quem é o ofendido?
É Jesus, só Jesus, minha filha.
« Minha filha, a tua vida não é vida inútil, nem de ilusões.
A tua vida foi e será a vida mais proveitosa, a vida de maior reparação.
Dá-Me a dor, dá-Me a dor, repara-Me, repara o Meu Eterno Pai.
« A tua prisão no leito é a Minha prisão no Sacrário.
Eu vivo para Me dar às almas, tu vives para as conduzires a Mim.
Como é bela, como é bela, como é encantadora a tua Missão, minha filha! »
É na verdade encantadora a Missão da Alexandrina; é uma missão raramente proposta por Jesus às outras almas vítimas.
Mas a Vítima de Balasar não busca elogios nem encantos: Só a Vontade do Senhor a encanta, só a vontade do Senhor alimenta e fortifica a sua alma, ateando nela a força e coragem para continuar.
Assim se exprime ela, respondendo ao seu Amado Jesus :
― « Não sei, não sei, meu Jesus. Não lhe vejo nenhuns encantos.
Eu quero viver para amar-Vos e reparar o Vosso Divino Coração, e não para encontrar ninguém.
Encanto sois Vós, encantos têm a Vossa Lei, a Vossa Doutrina, a Vossa Divina Vontade, meu Jesus.
O medo de se enganar e enganar aqueles que a rodeiam, que dela se ocupam com tanto carinho, está sempre presentes no pensamento da Alexandrina, e muitas vezes, sente que deve exprimir esse medo, essas dúvidas a Jesus.
Como sempre, também o Senhor consola-a, convence-a da veracidade e da importância de tão sublime Missão, porque conhece bem o coração da Sua esposa e sabe quanto ele é “frágil”:
― « Minha filha, minha filha, encanto do Paraíso; tem sempre, sempre presente, a palavra "vítima", a tua entrega total ao Senhor.
Em tudo te assemelhas à verdadeira Vítima do Gólgota.
Faço-te saber e compreender o muito, a gravidade com que Eu sou ofendido, mas isso [o sofrimento da Alexandrina] não é nada, em comparação com os crimes que se praticam.
O teu coração, tão frágil e tão sensível, não resistiria a tanta dor.
Não aguentavas com o sentimento a visão total das ofensas feitas ao teu Jesus, a quem tanto amas ».
Palavras para meditar, palavras que nos interpelam:
“Não aguentavas com o sentimento a visão total das ofensas feitas ao teu Jesus”.
E, pouco depois, Jesus diz-lhe, ainda:
― « Tu és, Minha filha, a violeta florida que aparece em toda a Vida de Jesus.
Adornas a Eucaristia, o Sacrário, a Cruz e o Meu Divino Coração.
A alma humilde é grande, é poderosa, alegra e consola a Jesus ».
A Humildade é, na verdade, uma das maiores virtudes, e Jesus faz muitas vezes a apologia desta virtude salutar, precisando bem que “a alma humilde é grande, é poderosa, alegra e consola a Jesus”.
― « Meu Jesus, meu Amor, mais uma vez me entrego a Vós, mas quero ir pela Mãezinha.
Mais uma vez me ofereço como vítima, mas pelos Seus Lábios.
Mais uma vez me submeto à Vossa Divina Vontade, mas sempre com Ela.
Quero viver com Ela, quero sofrer com Ela. Com Ela quero fazer a Vossa Divina Vontade e ser imolada como Vos aprouver.
Só agora, Jesus, só agora fizestes luz na minha alma. Estava com tanta escuridão e Vós faláveis-me de tão longe! »
caiu fora e não em mim”
Que mar, que mar agitadíssimo, meu Jesus! Que vida de dúvidas e de temores!
Duvido enganar-me e enganar. Temo ofender-Vos com o meu viver.
Ai, Jesus! Custa tanto viver assim! »
CONTINUA...
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